quarta-feira, 21 de julho de 2010
GOSTO DA FALA DESSE CARA
Quarta-feira, 21 de julho de 2010
ISSN 1519-7670 - Ano 15 - nº 599 - 20/7/2010
JB (1891-2010)
Paradoxos impressos, notas para um obituário
Por Alberto Dines em 20/7/2010
Rodolfo Dantas, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa pretendiam recuperar o liberalismo herdado da monarquia e liquidado pela ditadura militar republicana. O jornal foi empastelado, depois fechado, Rui Barbosa obrigado a exilar-se, o jornal depois compôs-se com o sistema. Todos se compõem com o sistema. Coisas do Brasil. Coisas do Jornal do Brasil
Dois grandes empresários e condes papalinos – Pereira Carneiro e Candido Mendes – o compram, depois brigam, Pereira Carneiro ganha a parada, mas a pendência arrasta-se por décadas no STF sempre engavetada na mesa do meritíssimo Luiz Galotti (cujos pareceres eram obrigatoriamente publicados com destaque).
O JB foi o jornal da cidade, jornal do Carnaval, depois "jornal das cozinheiras" (por causa dos classificados na primeira página), mas nunca deixou de ser o "jornal da Academia" [Brasileira de Letras] graças à presença na direção do pernambucano Aníbal Freire. Nesta condição deu guarita a muitos escribas, alguns sem caráter e sem talento, apenas dois verdadeiramente imortais: Barbosa Lima Sobrinho e Alceu Amoroso Lima.
A condessa Pereira Carneiro (née Maurina Dunshee Abranches), de uma família maranhense, recebia os conterrâneos com tapete vermelho: José Sarney foi correspondente em S. Luiz (demitido em 1962 porque só mandava despachos que o favoreciam como político). Outros tornaram-se estrelas do jornalismo: Nonato Masson, Ferreira Gullar e Odilo Costa, filho.
Renovação Genro da condessa, Manoel Francisco do Nascimento Brito recebeu a tarefa de renovar o grupo (rádio e jornal) e o fez com audácia: tornou-se o primeiro publisher da imprensa brasileira. Fez da rádio um modelo de criatividade, entregou a direção do jornal a Odilo Costa, filho para torná-lo tão moderno e influente como o Correio da Manhã. Mas não sabia resistir aos acenos do poder.
Em agosto de 1958, o udenista Odilo publicou na primeira página uma foto de JK de braços abertos recebendo o secretário de Estado Foster Dulles com o título "Tenha paciência, mister". JK, o bonzinho, enfureceu-se, e Brito, que negociava um vultuoso empréstimo para reequipar o jornal, não teve dúvidas – afastou Odilo.
Coisas do Brasil, coisas do Jornal do Brasil.
Àquela altura, um grupo de jovens jornalistas (Reynaldo Jardim, Ferreira Gullar, Jânio de Freitas, Wilson Figueiredo, Araújo Neto, Luis Lobo, Carlos Lemos e outros), com a colaboração do escultor Amilcar de Castro, operavam a mais profunda, cabal e duradoura reforma editorial da imprensa brasileira. Envolvia o visual, conceito de jornalismo, estilo de texto, pauta. Uma revolução jornalística e cultural – jornalismo e cultura eram então inseparáveis. Revolução branca, literalmente, para acabar com a massa de elementos escuros (fios, títulos, fotos). Implantada gradualmente – só assim poderia se sustentar –, a mudança completou-se em 1959, quando chegou à primeira página.
Com a saída de Odilo, Nascimento Brito distanciou-se (ou foi distanciado) da redação, começou a reclamar, queria voltar atrás, recolocar os tais fios que separavam as matérias e acabou com o suplemento dominical, uma das jóias da nova fase.
Este observador chegou ao JB em 8 de janeiro de 1962, seis anos depois de iniciada a revolução orquestrada por Odilo. Nascimento Brito recebeu-o dizendo: "Amanhã quero um jornal diferente, com fios...". Foi-lhe dito que dentro de alguns anos o leitor talvez percebesse diferenças. No dia seguinte, de novidade apenas um fio fino para separar o logotipo da manchete com plena aprovação de Amilcar de Castro, que permaneceu no jornal por mais algum tempo [JB, edição do centenário, 9/4/1991, "Os fios do tempo"].
Nascimento Brito foi o primeiro publisher a contratar uma consultoria, a Montreal, para fazer um trabalho de reengenharia total. A empresa organizou-se, a redação organizou-se, a busca de qualidade tornou-se prioritária. Graças a isso o jornal ganhou espetacularmente os primeiros rounds no confronto com O Globo. Sem qualquer suporte de TV.
Declaração de guerra Há exatos 38 anos, O Globo publicava um editorial na primeira página assinado por Roberto Marinho intitulado "O Dia que Faltava", rompendo o acordo de décadas que deixava o domingo para os matutinos e as segundas-feiras para os vespertinos. Era a declaração formal de guerra depois de tensas e demoradas negociações entre as duas empresas mediadas pelo deputado Chagas Freitas e o banqueiro José Luís Magalhães Lins.
O domingo – lindo por sinal – 2 de Julho de 1972 marcou o início da periodicidade diária na imprensa brasileira com circulação nos sete dias da semana. Sem truques para enganar o leitor, com fechamentos à noite, horário normal. Dia seguinte, 3/7, o JB invadia a segunda-feira. O Rio já não era a Capital Federal mas a sua imprensa estabelecia os padrões para o resto do país.
Quem ganhou? Sua Excelência, o jornalismo. Sem competição, jornalismo é fingimento. Não houve contratação de celebridades nem estrelas. A disputa foi travada pelos repórteres, fotógrafos, correspondentes nacionais e internacionais.
Uma das mais belas disputas na grande imprensa brasileira, centrada na qualidade, na garra profissional, na concorrência intrínseca, sem baixaria – o editor de O Globo era Evandro Carlos de Andrade, egresso do JB.
Mas os namoros do JB com o poder produziram logo em seguida outro sacolejo. No fim do ano seguinte, 1973, Nascimento Brito cometeu a insensatez de meter-se com os generais: apoiou o esquema para substituir o general Garrastazu Médici pelo seu Chefe da Casa Civil, o jurista Leitão de Abreu, contra a pretensão dos irmãos Geisel (Orlando e Ernesto).
Ganharam os Geisel. Brito apavorou-se, preocupado com a concessão de dois canais de TV e a manutenção dos empréstimos generosamente incentivados pelo ministro da Fazenda, Delfim Netto, para garantir a construção do suntuoso prédio da Av. Brasil e a compra de novas máquinas.
Antes de jogar-se nos braços da dobradinha GG – Geisel-Golbery –, faltava um bode expiatório. Depois de 12 anos, o editor-chefe foi afastado "por indisciplina".
Coisas do Brasil. Coisas do Jornal do Brasil.
*** Em tempo: amuado com a críticas pela incrível adesão ao esquema Berlusconi, o jornalista Mino Carta escreveu um texto com título lapidar "O silêncio é de ouro". Aparentemente aposentou-se, mas sua carga de peçonha é inesgotável. Na edição de CartaCapital (21/7, p. 13) no registro sobre a morte anunciada do JB, mandou escrever o seguinte: "Em 1964, sob orientação editorial de Alberto Dines [o jornal] apoiou o golpe." Quem dá "orientação editorial" são os donos do jornal, mesmo no semanário chapa-branca que dirigia. Este observador foi editor-chefe do jornal e se orgulha do seu currículo profissional. Envergonhado, Mino Carta esconde o seu: jamais explicou aquela festinha na redação de 4 Rodas, da Editora Abril, quando subiu na mesa para comemorar a derrubada de Jango.
JORNAL DO BRASIL
Morte sem epitáfio
Por Alberto Dines em 16/7/2010
Os sinos não dobram quando fecha um jornal, mas dobram pelo jornalismo. Nenhum jornal é uma ilha – menos um jornal, menor a imprensa. Menos um diário, menor o continente, o mundo, a humanidade.
Pífia, lamentável, a repercussão do anúncio do fim do Jornal do Brasil impresso. Ninguém vestiu luto – só os jornalistas – porque há muito aboliu-se o luto. O luto e a luta. Sobreviventes não lamentaram, dão-se bem no jornalismo morno, sem disputa. Juntaram-se para revogar a concorrência e enterraram a porção vital do seu ofício. Esqueceram a animada dissonância, preferiram a consonância melancólica.
Qualidade e poder O derradeiro confronto jornalístico no Rio talvez tenha se travado no início dos anos 70 (ou fim dos 60) quando Roberto Marinho decidiu que O Globo não poderia ficar confinado ao esquema de vespertino e passou a circular aos domingos. Em represália, Nascimento Brito decidiu que o JB invadiria a segunda-feira. Encontro de gigantes, disputa de qualidade. Mesmo com a ditadura e a censura como pano de fundo.
Sem competição, o jornalismo perdeu o elã; desvirtuado, virou disputa pelo poder. Exatamente isso atraiu Nelson Tanure, o empresário que investe em informática, estaleiros e faz negócios pelo negócio. Não lhe disseram que empresário de jornal não precisa escrever editoriais, basta gostar do ramo e ser fiel a ele.
Simbólico: o fim do JB impresso foi confirmado na edição de quarta-feira (14/7) sob a forma de anúncio, publicidade. Aquela Casa não acredita em texto. E o seu jornal morreu sem epitáfio.
VIOLÊNCIA URBANA
Wesley temia os tiros; morreu com o lápis na mão
Por Alberto Dines em 20/7/2010
Comentário para o programa radiofônico do OI, 19/7/2010
Clima de férias na imprensa neste fim de semana. Jornalões e revistinhas circularam por obrigação, páginas e cadernos preenchidos burocraticamente com material de gaveta. Até a disputa eleitoral ficou insossa e o assassinato de Eliza Samúdio convertido em rotina.
Culpa do frio no sudeste (onde são editados os três diários ditos nacionais), mas pode ser ressaca de uma Copa estressante terminada na semana anterior. Única emoção naquele monte de páginas, mas suficiente para enternecer corações e mentes brutalizadas pelo noticiário de crimes hediondos e chacinas contínuas: a primeira página do Globo no sábado (16/7) devolveu ao nosso jornalismo impresso sua capacidade de emocionar.
Bicho-papão Um dia antes, rádios, telejornais e portais noticiaram a morte na Zona Norte do Rio de um menino de onze anos atingido no peito por uma bala perdida em plena sala de aula. Não foi a primeira criança morta na Batalha do Rio, mas esta jamais será esquecida porque o repórter Sérgio Ramalho não apenas deu-lhe um nome (Wesley Gilbert Rodrigues de Andrade), mostrou sua foto com a camisa do São Paulo (do qual era torcedor) e flagrou-o respondendo a uma recente enquete do próprio jornal sobre o bicho-papão que mais temia na comunidade. Resposta premonitória de Wesley: "os tiros".
Título da primeira página: "Pesadelo virou realidade"; embaixo, com a tosca caligrafia do menino, a pergunta e a comovente resposta. Enquanto o grosso da imprensa contenta-se com frias e distantes estatísticas, o repórter de O Globo tirou a vítima do anonimato, deu-lhe vida apesar de morto e comoveu o país. Wesley morreu com um lápis na mão na aula de matemática enquanto policiais e traficantes enfrentavam-se numa batalha campal a poucos metros de distância.
A série de reportagens "O x da questão" que foi à escola de Wesley já foi citada neste Observatório porque os repórteres foram a outras escolas e numa delas, onde estudou Fernando Beira-Mar, descobriram que apenas o arqui-criminoso enveredou pela senda do crime; todos os seus ex-colegas são honrados cidadãos. Com repórteres sensíveis, comprometidos com a tarefa de contar histórias e editores capazes de se emocionar com o cotidiano, a imprensa não precisa temer a internet.
*** Comentário de Alberto Dines no editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 549, exibido em 8/6/2010:
Enquanto a mídia se resigna diante da hegemonia das maquinetas da internet, os bons jornalistas mostram que a grande reportagem está viva e continua imbatível. O Globo mostrou isso no domingo (6/6) ao final de uma série denominada "O x da questão", quando o repórter Antônio Werneck foi à escola pública onde estudou o criminoso Fernandinho Beira-Mar e levantou a história de 22 ex-coleguinhas do traficante: nenhum virou bandido. Quando a internet produzir este tipo de jornalismo então, sim, ela poderá ameaçar os impressos.
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