segunda-feira, 15 de agosto de 2011
O Sentido da Vida
Moritz Schlick
Nem todos se preocupam com a questão de saber se a vida tem sentido. Alguns — e esses não são os mais infelizes — têm a mente de uma criança, que ainda não questionou tais coisas; outros, tendo desaprendido a questão, já não as questionam. Entre ambos estamos nós próprios, aqueles que procuram. Não conseguimos projetar-nos de novo no nível do inocente, para quem a vida ainda não olhou com os seus olhos escuros e misteriosos, e não nos interessa juntarmo-nos aos saturados e fatigados que já não acreditam em qualquer sentido na existência por não terem conseguido encontrar qualquer sentido na sua própria vida.
Aquele que não conseguiu atingir o objetivo que procurava na sua juventude, e que não encontrou nada que o substituísse, pode lamentar a falta de sentido da sua própria vida, mas pode ainda acreditar que a existência em geral tem sentido e pensar que tal sentido está presente nos casos em que uma pessoa atingiu os seus objetivos. Mas aquele que, depois de muito esforço, conseguiu atingir os seus propósitos, e que depois descobriu que o seu prêmio não é tão valioso como parecia, de alguma maneira sente-se enganado — confronta-se abertamente com a questão do valor da vida e diante dele, como um solo sombrio e devastado, permanece o pensamento de que, para além de todas as coisas serem transitórias, em última análise tudo é em vão…
Qual é a razão para a estranha contradição que consiste no fato de o sucesso e a satisfação não se fundirem num sentido apropriado? Não parece prevalecer aqui uma lei inexorável da natureza? O ser humano estabelece objetivos para si próprio, e enquanto os persegue apoia-se na esperança, é verdade, mas ao mesmo tempo vive atormentado pela dor do desejo insatisfeito. Logo que atinge o objetivo, no entanto, depois da primeira sensação de triunfo segue-se inevitavelmente um sentimento de desolação. Permanece um vazio, que aparentemente só pode culminar com a emergência dolorosa de novas ambições, com o estabelecimento de novos objetivos. Assim recomeça o jogo, e a existência parece estar condenada a ser uma oscilação incansável entre dor e aborrecimento que termina com o nada que é a morte. Esta é a célebre linha de pensamento que está na base da visão pessimista da vida de Schopenhauer. Não haverá uma maneira de lhe poder escapar?…
Na verdade, nunca encontraremos um sentido último na vida se a virmos apenas sob o aspecto do propósito.
Não sei, no entanto, se o fardo dos propósitos pesou alguma vez mais sobre a humanidade do que no momento presente. O presente idolatra o trabalho. Mas trabalho significa atividade dirigida para objetivos, direção para um propósito. Supõe que estás no meio da multidão numa rua agitada de uma cidade e imagina-te a parar os transeuntes, um por um, para lhes perguntares: “Onde é que vais tão depressa? Que assunto importante tens de resolver?” E se, depois de conheceres o objetivo imediato, perguntasses depois pelo propósito desse objetivo, e depois pelo propósito desse propósito, acabarias sempre por chegar ao seguinte propósito depois de poucos passos na sequência: manter a vida, ganhar o próprio pão. E manter a vida porquê? Para esta questão dificilmente conseguirias extrair uma resposta inteligível a partir da informação obtida…
O núcleo e valor último da vida só pode residir em estados que existem em função de si próprios e que contêm em si próprios a satisfação que proporcionam… Ora, a vida significa movimento e ação, e se desejamos descobrir um sentido nela devemos procurar atividades que contêm o seu valor e propósito em si próprias, independentemente de quaisquer objetivos exteriores; atividades, portanto, que não são trabalho, no sentido filosófico do termo… Existem realmente tais atividades. Para sermos consistentes, devemos chamar-lhes jogos, já que este é o nome para a ação livre e sem propósito, isto é, para a ação que na verdade contém em si o seu propósito…
Jogar, como entendemos a noção, é qualquer atividade que decorre inteiramente em função de si própria, independentemente dos seus efeitos e consequências. Não há nada que impeça esses efeitos de serem de um tipo útil ou valioso. Se forem, tanto melhor; a ação continua a ser jogo, pois já contém o seu valor em si própria. Bens valiosos podem proceder dela, tal como da atividade intrinsecamente não aprazível em que se procura atingir um propósito. Por outras palavras, também o jogo pode ser criativo; o seu resultado pode coincidir com o do trabalho…
Olhemos à nossa volta: onde encontramos jogo criativo? O exemplo mais brilhante (que ao mesmo tempo é mais do que um simples exemplo) encontra-se na criação do artista. A sua atividade, que consiste em dar forma ao seu trabalho através da inspiração, é ela própria um prazer, e em parte é por acidente que valores duradouros resultam dela. Enquanto trabalha, o artista pode não pensar no benefício desses valores, pode nem pensar na sua recompensa, já que de outro modo o ato de criação ficará corrompido. O prêmio que abundantemente recompensa não é a corrente de ouro, mas a canção que brota do coração! Assim se sente o poeta, e também o artista. E quem se sente assim naquilo que faz é um artista.
Considere-se, por exemplo, o cientista. Conhecer, também, é um puro jogo do espírito, a procura da verdade científica é um fim em si mesmo para ele. O cientista adora medir os seus poderes contra os enigmas que a realidade lhe propõe, independentemente dos benefícios que possam de alguma maneira resultar da sua atividade…
Toda a nossa cultura terá que se concentrar num rejuvenescimento do ser humano, rejuvenescimento no sentido filosófico, de tal maneira que todas as nossas atividades se libertem gradualmente do domínio dos propósitos, que até as ações necessárias para a vida se transformem em jogo…
Toda a educação deverá encarregar-se de que nada da criança se perca no homem à medida que este amadurece, de que a separação entre a adolescência e a idade adulta vá desaparecendo gradualmente, de tal forma que o homem permaneça um rapaz até aos seus últimos anos, e a mulher uma rapariga, apesar de ser uma mãe. Se precisamos de uma regra de vida, que seja esta: “Preserva o espírito da juventude!” Pois este é o sentido da vida.
tradução: Pedro Galvão
fonte: Revista Intelecto
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