domingo, 20 de junho de 2010
LA LUNA DE OTELO E DE BERTOLUCCI
Artigos
edição 200 - Setembro 2009
Sob o encanto da Lua
Em diferentes culturas, variações do comportamento humano foram atribuídas às fases lunares; para pesquisadores, a teoria pode ser considerada um “fóssil cultural”
por Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz
STEFAN SEIP/ASTRO MEETING/NASA
Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz são professores de psicologia; o primeiro, da Universidade Emory, e o segundo, da Universidade do Arizona. – Tradução de Julio Oliveira
“Ela aproxima-se mais da Terra agora do que de hábito e deixa os homens loucos.”
Otelo, de William Shakespeare
Ao longo dos séculos, muitos já disseram: “Deve ser noite de lua cheia”, numa tentativa de explicar acontecimentos estranhos. E até hoje, o nome da deusa romana da Lua continua sendo familiar: Luna, prefixo da palavra lunático (um dos sinônimos para louco). O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) e o historiador romano Plínio (23 – 79 d.C.), o Velho, sugeriram que o cérebro era o órgão mais úmido do corpo e, desse modo, mais suscetível às influências perniciosas da Lua, responsável também pelas marés. A crença no efeito lunar persistiu na Europa durante a Idade Média, se acreditava que alguns seres humanos se transformavam em lobisomens ou vampiros durante madrugadas de lua cheia.
Ainda hoje, muitas pessoas acreditam que os poderes místicos do satélite da Terra induzem comportamentos erráticos, surtos psicóticos e suicídios; crêem que, por deflagrar a agressividade, fazem aumentar o número de homicídios, de acidentes de trânsito, de violência por parte de torcedores e jogadores profissionais durante as partidas e até de mordidas de cachorro. Um levantamento realizado nos Estados Unidos revelou que 45% dos estudantes universitários acreditavam que as pessoas afetadas pela Lua são propensas a comportamentos estranhos. Outras pesquisas sugerem que profissionais que trabalham com saúde mental podem estar mais inclinados do que as pessoas em geral a aceitar essa ideia. Em 2007, diversos departamentos de polícia do Reino Unido aumentaram o número de policiais em noites de lua cheia, num esforço para lidar com índices de criminalidade presumidamente mais altos.
Seguindo Aristóteles e Plínio, o Velho, alguns autores contemporâneos, como o psiquiatra Arnold Lieber, de Miami, presumiram que os efeitos comportamentais da Lua cheia ocorreriam por influência lunar na água. O corpo humano, ao todo, é composto de cerca de 80% de líquido e, deste modo, a Lua pode agir, de maneira misteriosa, alterando o alinhamento das moléculas do sistema nervoso central.
Mas, por pelo menos três motivos, essa teoria pode “ir por água abaixo”. Primeiro, os efeitos gravitacionais da Lua são muito pequenos para causar qualquer alteração significativa na atividade cerebral, que dirá, então, no comportamento. Como notou o astrônomo George Abell, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, um mosquito pousado em nosso braço exerce uma força gravitacional mais potente do que o satélite. Em segundo lugar, a força gravitacional da Lua afeta apenas corpos de água abertos, como oceanos e lagos, mas não fontes contidas, como o cérebro humano. E, por último, o efeito gravitacional é tão forte durante a lua nova – quando ela é invisível para nós – quanto durante a fase cheia (quando se acredita que seu poder místico esteja mais intenso).
E, ainda, o problema mais grave para os crentes fervorosos no efeito lunar: não há nenhuma evidência de que ele exista. O psicólogo James Rotton, da Universidade Internacional da Flórida, o psicólogo Ivan W. Kelly, da Universidade de Saskatchewan, e o astrônomo Roger Culver pesquisaram ampla e profundamente a existência de efeitos comportamentais consistentes causados pela lua cheia. Em todos os casos, eles saíram de mãos vazias. Esses pesquisadores combinaram resultados de múltiplas investigações, tratando-os como um único grande estudo – procedimento estatístico chamado meta-análise – e descobriram que a lua cheia não tem correlação alguma com eventos hostis, incluindo crimes, suicídios, problemas psiquiátricos e aumento das chamadas dos serviços de emergência. No artigo “Muito tumulto por causa da lua cheia”, publicado no periódico Boletim de Psicologia, Rotton e Kelly, com bom humor, deram adeus às pesquisas sobre o efeito da lua cheia e concluíram que não eram necessários estudos mais profundos.
Críticos persistentes, porém, discordam dessa conclusão e apontam algumas descobertas positivas que surgiram em estudos dispersos. Ainda assim, um punhado de pesquisas, que parecem apoiar a existência desse efeito, não se sustenta após uma investigação mais detalhada. Em um trabalho publicado em 1982, um time de autores relatou que acidentes de trânsito eram mais freqüentes nos períodos de lua cheia. Mas um erro fatal estragou essa descoberta: no período estudado, as luas cheias foram mais comuns em finais de semana, quando pessoas dirigem mais e, não raro, também se excedem no consumo de álcool. Quando os autores retomaram a análise dos dados, eliminando esse fator, o “efeito lunar” desapareceu.
Mas fica uma questão: se a influência da Lua é meramente uma lenda psicológica e astronômica, por que é tão disseminada? Existem diversas razões prováveis. A cobertura da mídia, quase certamente, tem papel importante. Os filmes de Hollywood mostram noites de lua cheia como um pico de ocorrências assustadoras: esfaqueamentos, tiroteios e comportamentos psicóticos.
Em diferentes culturas, variações do comportamento humano foram atribuídas às fases lunares; para pesquisadores, a teoria pode ser considerada um “fóssil cultural”
por Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz
[continuação]
Talvez mais importante: um estudo mostra um fenômeno, que os pesquisadores Loren e Jean Chapman, da Universidade de Wisconsin-Madison, chamaram de correlação ilusória: a percepção de uma associação que, de fato, não existe. Por exemplo, muitas pessoas com dores nas articulações afirmam que seu incômodo aumenta quando o tempo está chuvoso, embora pesquisas desmintam essas afirmações. Muito parecidas com miragens de água vistas em estradas durante os dias quentes de verão, essa impressão equivocada pode nos enganar e nos fazer perceber um fenômeno, mesmo na sua ausência. Ela resulta, em parte, da propensão de nossas mentes para prestar atenção – e lembrar – da presença de eventos, mais do que de sua falta (é mais comum nos recordarmos de quando tivemos dor do que de quando não tivemos).
Quando há lua cheia e algo inusitado ocorre, normalmente notamos, falamos para os outros e relembramos o fato. Fazemos isso porque tais ocorrências se encaixam em nossas pré-concepções. Um estudo já mostrou, por exemplo, que, de fato, enfermeiras psiquiátricas que acreditam no efeito lunar sobre os pacientes escreveram mais notas acerca do comportamento peculiar dos internos do que aquelas que não creem. Em contrapartida, quando há lua cheia e nada estranho ocorre, o “não evento” escapa da memória. Como resultado da lembrança seletiva, percebemos erroneamente uma vinculação entre as fases lunares e uma miríade de eventos bizarros.
Ainda, a explicação da correlação ilusória, embora seja uma parte crucial do quebra-cabeça, não indica como essa noção da lua cheia começou. Uma ideia intrigante de sua origem chegou até nós por meio de uma cortesia do psiquiatra C. L. Raison, agora na Universidade de Emory, e de vários colegas seus. De acordo com o pesquisador, o efeito lunar pode ter uma pequena semente de verdade, por, algum dia, ter sido genuíno. Ele supõe que antes do advento moderno da iluminação exterior, a claridade da lua cheia privava do sono as pessoas que viviam nas ruas – incluindo doentes mentais. A insônia, frequentemente, funciona como gatilho para a desorganização psíquica de pessoas com algum distúrbio, como transtorno bipolar. Sendo assim, a lua cheia pode ter sido ligada, há muito tempo, aos comportamentos extremados. Segundo Raison, esse efeito seria uma espécie de “fóssil cultural”. Talvez nunca saibamos se a engenhosa explicação está correta. Mas, pelo menos no mundo de hoje, esse efeito parece não ser mais confirmado do que a ideia de que a Lua é feita de queijo.
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