Teatro - Colaboradores
Por Lau Santos Ter, 02 de Fevereiro de 2010 01:55
Um jogo entre: o ator, o olho mecânico e o tele/espectador.
“una imagen más otra imagen, es mucho más que dos imagens”
Gonzalo Justiano
TOMADA 1
Se encararmos o cinema e outros meios audiovisuais (TV, vídeo e mídia digitalizada) como agentes do real, ainda que seja o registro de algo ficcional, qual seria o efeito destas máquinas de “tatuar” imagens sobre o corpo do ator que esta exposto a ela? De que forma este “corpo transparente” do ator age sobre o espectador, que o descobre?
Existe um lugar, com direito a detalhes (close-ups) do corpo do ator, produzido na relação de tensão do homem com esta máquina de captar imagens, no ato de captá-las, aonde acontecem negociações de ordem estética de suma importância para a construção de um estado de representação, ou seja, de um “real-imaginado”. Afinal é no espaço da construção, na produção da imagem captada e na sua materialização na tela que aparecem os corpos: do individuo-ator e do individuo-espectador. Uma experiência audiovisual determinada pelas aparências é o que abre o jogo para uma relação de presença e ausência, identificação e distância, aqui e lá. Segundo Arlindo Machado, a arte cinematográfica tem como objetivo principal “produzir um efeito de continuidade sobre uma seqüência de imagens descontinuas” (MACHADO, 2008, p.22). Cada individuo estabelece com as imagens uma espécie de conversação, de experiência singular e subjetiva como nos demonstra Jacques Ranciére, “Cada imagem então se separa das outras para se abrir a sua própria infinitude. O que faz a ligação, daí em diante, é a ausência de ligação, é o interstício entre as imagens que comanda, em lugar do encadeamento sensório-motor, um reencadeamento a partir do vazio”. É neste contexto que aparece o corpo do ator como “dispositivo” importante, como um dos elementos fundamentais para gerar uma relação de afeto no encontro do tele/espectador com a tela.
Como o ator encaixa seu corpo no quadro determinado pelo “buraco infinito” desta máquina de imagens? Cabe-nos refletir sobre este corpo, do ator, fragmentado, (re) cortado pelo olho mecânico da câmera e suas (in) capacidades de superar a artificialidade tecnológica e imprimir suas emoções em uma tela. A natureza invasora deste olho mecânico mede o grau de intimidade entre o corpo do individuo exposto e o olhar do individuo que descobre este corpo. Induzido pela “máquina de imagem” inicia-se, aqui, um jogo entre alguém que determina o que deve ser visto deste corpo, o corpo que é visto e o corpo daquele que vê o que foi determinado para ser visto. A noção de presença do ator no espaço cênico, neste caso a tela, esta diretamente relacionada com o “esquartejamento” de seu corpo feito pela câmera e a forma como ele se deixa revelar. A força deste corpo, a presença do ator acontece no simulacro de uma intimidade.
FUSÃO
Considerando os meios audiovisuais como máquinas de imagens, que papel teria o ator nesta engrenagem ? Seria o ator uma fábrica de imagens de si mesmo? Como pensar o ator neste jogo de presença e efeito de presença que acontece entre: o olho mecânico da câmera, o ator e a imaginação daquele que o assiste? Pode o ator burlar, ou melhor, dissimular, o estado confessional de seu corpo diante uma câmera em função de um “efeito de verdade”? Queremos enfatizar que quando falamos de estado confessional do corpo, estamos falando de algo revelador, alguma coisa encontrada no plano da invisibilidade e que se presentifica , torna-se notório quando acompanhamos a carreira audiovisual de determinado ator. A câmera dilata, delata, detalha e analisa a intimidade deste corpo através do enquadramento. Arriscamo-nos a dizer que o ator diante das câmeras sofre os efeitos do panóptico que nos fala Michel Foucault (1926 -1984) em seu livro “Vigiar e Punir”. De uma maneira geral tudo nos leva a crer que, segundo, a formula lançada por Edgar Morin (1921 -), ao comentar sobre o ator no cinema,”O eu penso do ator de cinema é um eu sou..” A materialidade da imagem projetada se confunde com o corpo do individuo/ator/personagem em um simulacro que se legitima através: de efeitos de verdade e efeitos de presença. Na “verdade” do jogo entre o que pode ser visto e o que não pode ser visto são deslocados os referentes daquele que assiste para uma fronteira entre o real e o não real. Do outro lado do “espelho” alguns atores e diretores insistem em que quanto menos se atua no cinema mais o ator se aproxima da “verdade”. Para o diretor Robert Bresson (1901-1999) o ator ideal para o cinema é aquele que não expressa nada: “O ator deve ser ele mesmo”. O que seria este não expressar nada?
Tal forma de pensar da escola francesa de cinema, enfatizado por Bresson, se justifica no exagero gestual dos atores da Comedie Française quando eram convidados para participarem de experiências cinematográficas no inicio dos anos 50. A busca por uma espontaneidade, uma presença que afastasse de forma definitiva o “fantasma” do ator teatral das telas fez com que muitos diretores e críticos optassem trabalhar com “não-atores”. Alguns diretores daquela época e alguns diretores ainda hoje defendem a importância de colocar um “corpo virgem”, sem vícios teatrais, na frente das câmeras, em função de uma “presença espontânea”, “natural”, “verdadeira”. Talvez desta maneira o que busca o olho humano que está por trás do olho mecânico possa se surpreender com algo que sempre estará tocando a fronteira do real e do ficcional, qualidade expressiva inerente a arte audiovisual e detectada nos primórdios da linguagem cinematográfica. Na busca de convencer o tele/espectador de seu compromisso com a realidade, a arte audiovisual tem se aprimorado em tentar metamorfosear o dia a dia. Atores ou não-atores devem dominar sua presença, devem “impressionar’, através de sua performance gestual. Aquele que assiste deve se sentir preenchido pela imagem “divina” projetada na tela, deve assimilá-las sem dissimulá-las, assumi-las como simuladas verdades estrategicamente montadas para o prazer de seus olhos e ouvidos.
Por exemplo, para o crítico e diretor francês, François Truffaut (1932- 1984), o mítico ator, americano, Humphrey Bogart (1889 – 1957), famoso por seu estilo natural, possuía o corpo que melhor se encaixava na tela. Bogey man, como ficou conhecido este ator, dominava como ninguém as sutilezas de seus gestos na frente de uma câmera. Podemos nos interrogar que papel interpretava, Bogart quando atuava e de que forma este ator controlava a sua intimidade diante do olho mecânico? O pesquisador de cinema e autor do livro “Le corps au cinema” , Vincent Amiel nos afirma “A presença é então esta realidade (...) transparente como a verdade do ator que se apresenta através de signos necessários e incontrolados”(AMIEL, 2001, p.263). Percebemos que a dimensão da presença nos meios audiovisuais, se dá na forma como se revela a intimidade de um corpo que é dissecado em sua gestualidade. É na tensão que existe entre o olho humano e olho mecânico, no momento de captar as qualidades expressivas do ator, que aparecem os testemunhos da invisibilidade da matéria humana.
TOMADA 2
Seria o fator surpresa que sempre esteve presente na fotografia no momento da revelação da imagem, aquilo que passou despercebido pelo olho humano, mas que foi registrado pelo olho mecânico, a peça misteriosa que determina o poder expressivo de um corpo? Seria isto que queria descobrir Luis Buñuel (1900 -1983) ao assumir o acaso como um fator importante na sua criação cinematográfica? Sabemos que no mundo contemporâneo o deslocamento entre o que entendemos como real ou ficcional faz parte de uma equação complexa. Um convite para um exercício estético desliza diante dos nossos olhos a cada fração de segundo O que acreditamos ou não acreditamos é registrado por nosso corpo, uma quantidade enorme de imagens explode contra esse corpo. Resta-nos como testemunhos ativos de experiências audiovisuais, aceitarmos o jogo do simulacro e assistir o encontro do corpo do ator com o corpo do telespectador: uma batalha efêmera que se propaga na imagem projetada na tela durante alguns poucos minutos. Na memória ficam os rastros enigmáticos do conceito de presença. Um “fantasma”, exaustivamente comentado por Charlles Dullin, que aparece, algumas vezes, para nos conduzir ao vazio fascinante da imaginação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIÉRE, Jean-Claude. La Película que no se Vê. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1997.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godar. São Paulo: Cosac e Naify.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
FARCY, Gerard-Dênis e PRÉDAL, René (Sous la direction de). Brûler lês Planches,Crever L’écran. Saint-Jean-de-Védas: L’Entretemps editions, 2001.
MACHADO, Arlindo. Pré-Cinemas & Pós-Cinemas. Campinas: Papirus (coleção Campo Imagético) , 2008.
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