Jung e o mundo espiritual
Leonardo Boff
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Coordenei junto à Editora Vozes a tradução da obra completa do psicanalista C.G. Jung (18 tomos), o que o tornou um dos meus principais interlocutores intelectuais. Poucos estudiosos da alma humana deram mais importância à espiritualidade do que ele. Via na espiritualidade uma exigência fundamental e arquetípica da psiqué na escalada rumo à plena individuação. A imago Dei ou o arquétipo Deus ocupa o centro do Self: aquela Energia poderosa que atrái a si todos os arquétipos e os ordena ao seu redor como o sol o faz com os planetas. Sem a integração deste arquétipo axial, o ser humano fica manco e míope e com uma incompletude abissal. Por isso escreveu:
“Entre todos os meus clientes na segunda metade da vida, isto é, com mais de 35 anos, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão da sua atitude religiosa. Todos em última instância estavam doentes por terem perdido aquilo que uma religião viva sempre deu, em todos os tempos, a seus seguidores. E nenhum curou-se realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria. Isto está claro. Não depende absolutamente de uma adesão a um credo particular, nem de tornar-se membro de uma igreja, mas da necessidade de integrar a dimensão espiritual.”
A função principal da religião, melhor, da espiritualidade é nos religar a todas as coisas e à Fonte donde promana todo o ser, Deus. Esse é o propósito básico de seu grandioso livro Mysterium Coniunctionis (Mistério da Conjunção) que Jung considerava seu opus magnum. Pois nele se trata de realizar a coniuntio, traduzindo, a conjunção do ser humano integral com o mundus unus, o mundo unificado, o mundo do primeiro dia criação quando tudo era um e não havia ainda nenhuma divisão e diferenciação.
Era a situação plenamente urobórica do ser. Esclarecendo: uroboros era a serpente primigênia, enrolada sobre si mesma e engolindo a própria extremidade, arquétipo que representa a unidade originaria antes das diferenciações entre masculino e feminino, corpo e espírito, Deus e mundo. Essa fusão é o anseio mais secreto e radical do ser humano e o permanente chamado do Self.
Espirtualidade signfica vivenciar esta situação na medida em que é permanentemente buscada, mesmo que não se deixe apreender e se desloque sempre um passo a frente. O drama do ser humano atual é ter perdido a espiritualidade e sua capacidade de viver um sentimento de conexão. O que se opõe à religião ou à espiritualidade não é a irreligião ou o ateísmo mas a incapacidade de ligar-se e religar-se com todas as coisas. Hoje as pessoas estão desconectadas da Terra, da anima (da dimensão do sentimento profundo) e por isso sem espiritualidade.
Para C. G. Jung o grande problema atual é de natureza psicológica. Não da psicologia entendida como disciplina ou apenas como uma dimensão da psiqué. Mas psicologia no sentido abrangente dado por ele como a totalidade da vida e do universo enquanto percebidos e referidos ao ser humano seja pelo consciente seja pelo inconsciente pessoal e coletivo. É neste sentido que escreveu:
“É minha convicção mais profunda de que, a partir de agora, até a um futuro indeterminado, o verdadeiro problema é de ordem psicológica. A alma é o pai e a mãe de todos as dificuldades não resolvidas que lançamos ao céu.”
A Terra está doente porque nós estamos doentes. Na medida em que nos transformamos, transformaremos também a Terra. Jung buscou esta transformação até a sua morte. Ela é um dos poucos caminhos que nos pode levar para fora da atual crise e que inaugura um novo ensaio civilizatório, assim como o imaginava Jung, mais integrado com o todo, mais individualizado e mais espiritual.
C. G.Jung se mostra um mestre e um guia que nos traça um mapa apto a nos orientar nestes momentos dramáticos em que vive a humanidade. Como acreditava profundamente no Transcendente e no mudo espiritual, será seguramente o capital espiritual, agora colocado no centro de nossas buscas, que nos permitirá viver com sentido a fase nova da Terra e da Humanidade, a fase planetária e espiritual.
- Leonardo Boff é Teólogo e autor de O destino do homem e do mundo, Vozes 2007.
segunda-feira, 29 de março de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
PALAVRAS LOGOSÓFICA
A força da palavra Por Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)
Um dos elementos que mais freqüentemente utiliza o homem, tanto para fazer-se entender como para estabelecer uma relação harmônica com seus semelhantes, é a palavra, que é condutora do pensamento individual e contribui em muito para a formação do próprio conceito.
A importância de que ela se reveste, ou melhor, que ela assume na vida, evidencia-se em múltiplas formas, e quanto mais respeitável é a posição do que fala, tanto mais confiança inspira sua palavra. Se não sofrer modificação alguma, se manterá como elemento de juízo para prestigiar o conceito de quem a pronuncia.
Quando a palavra é pronunciada para manifestar uma convicção, definir uma atividade ou uma situação, ou expressar um sentimento, e leva em si o sadio propósito de oferecer aos demais a oportunidade de conhecer o pensamento que a anima, tende sempre a superar o conceito de quem a emite.
Quem pensa bem se esforça em falar melhor
Outra coisa acontece com aquela que é pronunciada com a intenção de enganar ou que surge sem reflexão, num impulso fugaz, porquanto costuma afetar ou ferir os que a ouvem, ainda que nada tenham a ver com ela. O só fato de escutá-la lhes causa mal-estar, contribuindo,conseqüentemente, para que se elabore um juízo adverso a respeito de quem a expressou.
Quem pensa bem se esforça em falar melhor. Será benéfico, então, aprender a sincronizar os movimentos da mente com a expressão oral, de modo que a palavra seja a condutora fiel do pensamento. Isso fará com que a palavra se revista de interesse, contrariamente ao que ocorre quando se fala sem pensar no que é dito, pois, nesse caso, a palavra costuma parecer vazia ou sem sentido.
Se quiséssemos apresentar uma imagem que refletisse com mais vívido colorido o mecanismo da palavra, teríamos de imaginá-la como um vagão que, à medida que passa pelo conduto vocal, é preenchido com o pensamento que formará seu conteúdo.
Em síntese, a palavra é um dos elementos com que o homem pode conquistar sua felicidade ou causar seu infortúnio, segundo sejam as manifestações de seu próprio espírito.
Trechos extraídos de artigo da Coletânea da Revista Logosofia, Tomo III, pág. 221
quarta-feira, 24 de março de 2010
A COM PAIXÃO
Eu não quero ser respeitável
Compaixão é o amor que atingiu a maioridade
A compaixão tem de ser compreendida, porque ela é o amor que atingiu a maioridade.
O amor comum é muito infantil, é um joguinho divertido para adolescentes. Quanto mais rápido você superar esse amor, melhor, pois o seu amor é uma força biológica cega. Ele não tem nada a ver com crescimento espiritual.
É por isso que os casos de amor se tornam uma coisa estranha, ficam extremamente amargos. Era tudo tão sedutor, tão excitante, tão desafiador, que por esse romance você poderia até morrer... agora você pode até morrer, mas não por ele — você pode morrer para se livrar dele!
O amor é uma força cega. Os únicos amantes bem-sucedidos são aqueles que nunca conseguiram ficar com a pessoa amada. Todas aquelas grandes histórias de amor... Laila e Majnu, Shiri e Farhad, Soni e Mahival, três histórias orientais de grande amor, comparáveis a Romeu e Julieta.
Mas nenhum desses grandes amantes conseguiu acabar juntos. A sociedade, os pais, tudo era um obstáculo. E eu acho que talvez isso tenha sido bom. Depois que os amantes se casam, não resta mais nenhuma história de amor.
Majnu teve sorte de nunca ter ficado com Laila. O que acontece quando duas forças cegas se encontram? Como as duas são cegas e inconscientes, o resultado não pode ser lá muito harmonioso. Ele só pode ser um campo de batalha de dominação, de humilhação, de todo tipo de conflito.
Mas, quando a paixão passa a ficar alerta e consciente, toda a energia do amor atinge um aprimoramento; torna-se compaixão.
O amor é sempre dirigido a uma pessoa, e o seu desejo mais profundo é possuir essa pessoa. O mesmo vale para a outra pessoa — e isso torna a vida um inferno para ambas.
A compaixão não é dirigida a ninguém. Não é um relacionamento, é simplesmente o seu próprio ser. Você fica feliz em ter compaixão pelas árvores, pelos pássaros, pelos animais, pelos seres humanos, por todo o mundo — incondicionalmente, sem pedir nada em troca.
Compaixão é libertação da biologia cega.
Osho, em "Compaixão: O Florescimento Supremo do Amor"
Compaixão é o amor que atingiu a maioridade
A compaixão tem de ser compreendida, porque ela é o amor que atingiu a maioridade.
O amor comum é muito infantil, é um joguinho divertido para adolescentes. Quanto mais rápido você superar esse amor, melhor, pois o seu amor é uma força biológica cega. Ele não tem nada a ver com crescimento espiritual.
É por isso que os casos de amor se tornam uma coisa estranha, ficam extremamente amargos. Era tudo tão sedutor, tão excitante, tão desafiador, que por esse romance você poderia até morrer... agora você pode até morrer, mas não por ele — você pode morrer para se livrar dele!
O amor é uma força cega. Os únicos amantes bem-sucedidos são aqueles que nunca conseguiram ficar com a pessoa amada. Todas aquelas grandes histórias de amor... Laila e Majnu, Shiri e Farhad, Soni e Mahival, três histórias orientais de grande amor, comparáveis a Romeu e Julieta.
Mas nenhum desses grandes amantes conseguiu acabar juntos. A sociedade, os pais, tudo era um obstáculo. E eu acho que talvez isso tenha sido bom. Depois que os amantes se casam, não resta mais nenhuma história de amor.
Majnu teve sorte de nunca ter ficado com Laila. O que acontece quando duas forças cegas se encontram? Como as duas são cegas e inconscientes, o resultado não pode ser lá muito harmonioso. Ele só pode ser um campo de batalha de dominação, de humilhação, de todo tipo de conflito.
Mas, quando a paixão passa a ficar alerta e consciente, toda a energia do amor atinge um aprimoramento; torna-se compaixão.
O amor é sempre dirigido a uma pessoa, e o seu desejo mais profundo é possuir essa pessoa. O mesmo vale para a outra pessoa — e isso torna a vida um inferno para ambas.
A compaixão não é dirigida a ninguém. Não é um relacionamento, é simplesmente o seu próprio ser. Você fica feliz em ter compaixão pelas árvores, pelos pássaros, pelos animais, pelos seres humanos, por todo o mundo — incondicionalmente, sem pedir nada em troca.
Compaixão é libertação da biologia cega.
Osho, em "Compaixão: O Florescimento Supremo do Amor"
quinta-feira, 18 de março de 2010
REALIDADES PARALELAS
A Visão Atual do Nosso Universo - A Realidade
Escrito por Cláudio Azevedo
Seg, 04 de Agosto de 2008 22:11
“Tenho sérias dúvidas de que alguém dentre nós tenha a mais ligeira idéia do significado da realidade ou da existência de qualquer outra coisa exceto os nossos egos” 4:62.
Arthur Stanley Eddington (1.882-1.944)
(físico e astrônomo inglês)
Órion: Filosofia, Religião e Ciência
“Não existem coisas observáveis na imagem mental do mundo. As coisas observáveis pertencem ao mundo das experiências sensoriais”.
Max Plank (1.858-1.947)
“Vejo as coisas como são e me pergunto: por quê? Sonho as coisas como as quero e me pergunto: por que não?”
George Bernard Shaw (1.856-1.950)
Já no século II, Epictetus afirmava que a nossa mente poderia ser capaz de ver diversas realidades: “As aparências para a mente são de quatro tipos: As coisas que são o que parecem ser, ou não são nem parecem ser, ou são e não parecem ser, e as que não são e, mesmo assim, parecem ser. Distingui-las é a tarefa do sábio”. Com o advento da teoria da relatividade, no início do século XX, vimos morrer o desejo de se saber o que é real. Os cientistas se contentam, hoje, em oferecer a melhor visão do mundo que podem perceber. O tempo, por exemplo, passou a ser um conceito relativo que varia com a velocidade do objeto, no mundo macro, e está ligado aos nossos sentidos, no mundo micro. Nossa mente é que produz o nosso tempo, podendo ser aumentado, diminuído ou até parado (nos estados alterados da mente e da consciência).
Do mesmo modo o espaço também passou a ser visto como um conceito relativo. Baseando-se na teoria-M, derivada do conceito de p-branas, viu-se a possibilidade da existência de até 11 dimensões em nosso Universo (Cf. "Supercordas"). Mais ainda havia a possibilidade da existência de grandes dimensões extras, o nosso Universo na forma de um grande p-brana ou mundo-brana. Nesse mundo-brana, em forma de bolha, apenas a matéria e as forças não-gravitacionais estariam confinadas, num espaço multidimensional, no interior da brana em que vivemos. Por outro lado, a força gravitacional permearia todo o espaço/tempo multidimensional, interferindo em todas as dimensões, ou mundos-brana. Dessa forma sentiríamos as influências gravitacionais do mundo-brana paralelo sem vê-lo.
Essa teoria gravitacional em um espaço multidimensional explicaria como a alta velocidade das estrelas, às margens de galáxias espirais, não faz com que elas se livrem do poder gravitacional da galáxia, se desgarrando dela. Outra teoria atraente seria a de que as leis do movimento newtoniano sejam incorretas para explicar o fenômeno e talvez devessem ser reescritas. Essa tese foi proposta em 1.983 pelo físico Mordehai Milgrom que a denominou MOND (Modified Newtonian Dynamics).
Mas essa discrepância de velocidades calculadas e observadas também pode indicar haver muito mais matéria nas partes externas das galáxias, matéria essa invisível. O conceito de matéria invisível surgiu em 1.933, quando o físico Fritz Zwicky criou o termo para explicar o fato do aglomerado de Coma se permanecer intacto, apesar da extraordinária rapidez de suas galáxias individuais.
Desde então a noção de matéria invisível (escura ou oculta) passou a explicar uma série de enigmas e solucionou um mistério crucial sobre a formação galáctica: como o universo, a partir de um caldo homogêneo e quente de partículas, se transformou no conjunto de aglomerados galácticos que conhecemos. Não havia uma quantidade de matéria conhecida (léptons e quarks) suficiente para se juntar, antes que houvesse um resfriamento do Universo, mas havia matéria escura abundante para ser atraída gravitacionalmente e assim servir de apoio à matéria comum para a formação das galáxias, apesar da expansão cósmica.
Durante toda a década de 1.980, achou-se que essa matéria invisível fosse composta de matéria conhecida, apenas difícil de ser detectada, talvez nuvens de gás, ou buracos negros, ou anãs brancas, ou estrelas de nêutrons. Hoje se postula que possa ser constituída de neutrinos ou de uma outra forma diferente de matéria, como os exóticos WIMP (Weakly Interacting Massive Particles).
Em artigo publicado no New York Times, em 05 de março de 2.000, o correspondente George Johnson afirma que cientistas comprovaram a existência dessa “matéria oculta” (ou negra), que parece realmente vir de uma outra dimensão ou Universo paralelo. Esta matéria foi detectada na nebulosa NGC 1999 da constelação de Órion. No mesmo artigo se afirma que essa matéria oculta está em expansão, podendo passar através da matéria ordinária do nosso Universo, dificilmente deixando traços detectáveis, e que poderia ser a origem de boa parte do nosso Universo. Alguns cientistas postulam que formando essa “matéria oculta”, invisível, estariam partículas com massa que interagiriam debilmente com a matéria conhecida, os WIMP ou simplesmente quintessência.
Ela estaria impregnando todo o espaço vazio no nosso Universo contribuindo para a força antigravitacional (energia do vácuo ou energia escura) que está acelerando a expansão de nosso Universo. Recentemente, astrônomos da Universidade de Roma, numa conferência organizada na Califórnia, afirmaram ter detectado “ventos de Wimps” soprando através da Terra, da mesma forma que o fazem livremente no espaço e de uma forma mais livre do que os neutrinos.
Em 18 de outubro de 2.000, o Reuters New Service noticiou que em janeiro de 2.000, cientistas detectaram uma luminosidade avermelhada provinda de uma magnífica explosão. O astro morto deveria ter tido um tamanho 30 vezes maior que o nosso Sol, e a luz viajou cerca de 11 bilhões de anos até chegar à Terra, na forma de raios gama. A demora na divulgação se deveu à dificuldade de se identificar de onde provinha. A luminosidade, conhecida como GRB 000131, vem da constelação de Eta Carina. A Science News, vol. 158, de 14 de outubro de 2.000, divulgou que a luz proveniente da explosão angulou-se durante o trajeto. Sabe-se, de acordo com a relatividade geral, que para a angulação da luz é necessária a interposição de um objeto com massa entre a fonte da luz e seu ponto de observação. Esse objeto funciona como uma lente gravitacional, entortando e magnificando a luz. Provavelmente a nova forma de matéria invisível, detectada em Órion, estaria deformando a luminosidade proveniente de Eta Carina. Em um experimento conduzido por J. Anthony Tyson, dos Laboratórios Bells (New Jersey), quando ele e colaboradores pesquisavam a causa de uma deformidade na luz de uma galáxia, não acharam qualquer astro ou galáxia ou buraco negro que justificasse a observação. Simplesmente não existia ou não era visível.
Esta matéria estaria presente em todo o Universo, permeando-o e preenchendo cerca de 90 a 95% dele. Interferiria em tudo no Universo, imperceptivelmente. O Originador e Controlador do Universo. Em suma, os astrônomos crêem que o presente conteúdo energético do Universo seja aproximadamente 4% de matéria ordinária (um décimo visível na forma de astros e gás), um terço de matéria escura e dois terços de energia escura. Mais exatamente, 0,005% de radiação (energia eletro-magnética), 0,5% de matéria ordinária visível (galáxias, etc.), 3,5% de matéria ordinária não luminosa, 26% de matéria escura e 70% de energia Escura (Vazio) - SCIAM EE 1, pág 47.
Isso deu origem à astronomia subterrânea. Colocam-se telescópios de neutrinos debaixo da Terra, no fundo do mar ou no fundo de geleiras, com quilômetros de rocha, água ou gelo em cima. A única coisa que chega ai vinda do espaço, são os neutrinos, ou seus primos pesados e cuja detecção é ainda precária, os WIMPs. Em 1964, Raymond Davis detectou neutrinos vindos dos Sol. Em 1987, Masatoshi Koshiba detectou neutrinos vindos da supernova 1987A. Por essas descobertas, eles ganharam o Premio Nobel de Física de 2002, que eles dividiram com o italiano Riccardo Giacconi, que deu inicio à astronomia de raios-X. O trio ganhou o Prêmio Nobel por abrirem novas janelas para a observação do Universo, a astronomia de neutrinos e a astronomia de raios-X.
“O vácuo quântico, de fato, é a origem do Universo. Esse vácuo quântico é de âmbito misterioso. Nada há nele; ele nada possui, mas é um âmbito generativo” (SOPHIA 1:20).
Brian Swimme
Matemático e cosmólogo
“Nada é tudo; escuridão é luz; sofrimento é alegria. Como é difícil dizer isto, a menos que se tenha feito sua experiência” 44:66.
Padre William Johnston
Jesuíta
A palavra grega para o grande vazio original, antes da criação, é "Kaos". Esse "Kaos" (grande vazio ou grande plenitude) criou o "Kosmos" (aparência, véu) 62:38. Para os gregos, "Kosmos" tem o mesmo sentido que o termo hindu Maya (ilusão ou Makyo japonês). Ambos os termos demonstram que a Criação é uma grande ilusão oculta sobre o véu da materialidade, que se originou de um Vazio Primordial. A filosofia taoísta chama de Wu-chi (O Sem Cume) a esse Vazio Primordial (Cf. "CAOS").
Outro conceito importante é que ao vazio (Kaos), o “Nada” que originou “Tudo”, retornará novamente toda a Criação: o “Nada” originou “Tudo” que, por sua vez, retornará ao “Nada”. Esse vazio (shunya) é um importante conceito budista, uma meta a ser alcançada. No Volume 1 dissemos que Michio Kaku, Paul Steinhardt e Andrei Linde defendem a tese de que antes do Big-Bang haveria um estado de efervescência, destituído de matéria, espaço ou tempo, onde periodicamente, nascidos desse “Nada”, surgiriam Universos. Mas como o “Nada” pode dar origem a alguma coisa?
Parte desse mistério começou a ser explicado pela ciência, pelo físico Alan Guth do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets). Deve-se aqui esclarecer que para a física o “Nada”, ou o vazio, sempre é alguma coisa, embora destituída de matéria. Segundo ele, naquele “Nada” existente antes do Big-Bang, haveria apenas energia de altíssima freqüência. Sabe-se hoje, a partir da mecânica quântica, que energia pode ser convertida em matéria a partir de súbitas variações do campo elétrico (flutuação de vácuo). Então, provavelmente, a partir dessa flutuação ocorreu um colapso da onda energética e as primeiras subpartículas surgiram. Esse colapso teria gerado uma força gravitacional negativa que obrigaria, pela lei de conservação de energia, à formação de matéria na forma de uma imensa massa de quarks: “a energia positiva da matéria foi equilibrada pela energia negativa do campo gravitacional”.
Mas sobre a origem dessa energia primordial e sobre as causas dessa flutuação de vácuo e do colapso de onda, uma grande interrogação continua. Andrei Linde chega a afirmar que uma teoria nunca será completa se não admitir a existência de uma Consciência Superior como responsável pela construção do Universo. Voltamos novamente à noção filosófica do ESPÍRITO que no início é o NADA, mas ao mesmo tempo é o TODO, pois contém, Nele mesmo, TUDO.
Mas para entrar em contato com esse vazio não é necessário “retornar no tempo”. Para a física ele está em toda a parte. Encontramos o vazio no mundo subatômico quando analisamos a constituição do átomo e vemos que ele é um vazio que contém subpartículas. Podemos sentir isso se nos colocarmos dentro do átomo e imaginarmos que ele é apenas poeira, girando numa órbita do tamanho da nave da catedral de São Pedro, em Roma, e cujo centro é um grão de areia. Assim vemos a dimensão do vazio existente dentro de um só átomo. Se toda as subpartículas, presentes em um corpo físico humano, fossem aglutinadas, eliminando-se todo o espaço vazio entre elas, o corpo físico humano seria do tamanho de um grão de areia.
Assim, o moderno conceito de subpartícula não mais pode ser comparado a um grão de poeira, pois se comporta mais como um campo vibratório que pode assumir tanto a forma de quanta (luz) como a de subpartícula (a “poeira”), o campo “quantizado”. Criou-se a “teoria quântica dos campos”, em que cada partícula é um campo distinto, o qual passa a ser a entidade física fundamental. Esse campo, também chamado de vácuo físico, seria um meio contínuo, presente em todos os pontos do espaço. Nele as partículas não passariam de condensações energéticas locais desse campo (o qual, por si só, já é altamente energizado), que surgem e somem, dando a ilusão de uma existência independente, mas mantém contínua interação com os campos vizinhos. Matéria nada mais é que energia congelada.
“Podemos então considerar a matéria como constituída por regiões do espaço nas quais o campo é extremamente intenso... [Então] o campo é a única realidade” 14:160.
Albert Einstein (1.879-1.955)
Dessa forma o vazio quântico da teoria dos campos não é um simples estado de “nada”, mas contém potencial de surgimento de todas as subpartículas como manifestações transitórias desse vazio subjacente. O vazio dos físicos é um vazio que “pulsa num ritmo sem fim de criação e destruição”, uma entidade altamente dinâmica. Mas será que existe nesse espaço “vazio” algo que ainda não conseguimos medir? Quantas outras manifestações não mensuráveis, pelo menos por enquanto, ocorrem nesse “vazio”, paralelamente ao surgimento e desaparecimento das subpartículas. Pode-se antever, então, a comprovação do que a matemática já viu: a existência de até 11 dimensões em nosso Universo (as p-branas vistas no Volume 1), sustentadas pela teoria das supercordas.
De acordo com essa teoria de campo da matéria, a realidade subjacente à subpartícula está além da forma. À ilusão da forma, a filosofia hindu chama Maya, e à noção do vazio, que ao mesmo tempo é vida e origem do Universo, deram o nome de Brahman. Para o hinduísmo Brahman se tornou o mundo através de sua Maya (mágica ou ilusão). Esse mundo “ilusório” seria como uma grande brincadeira, a lila ou cosmodrama, em que todos agiriam movidos pela Lei de Causa e Efeito (Karma), a qual dá a forma cíclica e fluida da existência.
O Sefer Ha-Zohar (Livro do esplendor) cabalista judeu diz que a Divindade suprema é a base e a origem de todas as coisas, em todos os quatro mundos manifestados (Cf. no Volume 1). Ele é visto como o “Nada”, como Existência Negativa, um “ilimitado abismo de glória”.
A eletrodinâmica quântica já estuda as relações dos campos eletromagnéticos com os campos quânticos. Albert Einstein (1.879-1.955) passou os últimos anos de sua vida à busca da relação entre o campo eletromagnético, o campo gravitacional e o “campo quantizado” na sua teoria de um campo unificado 14:161.
Quando a física chegar à definição do campo unificado, como a explicação e a essência de todos os fenômenos do Universo, com potencial criativo infinito, teremos chegado à noção do Brahman hindu que é o mesmo Tao chinês, o mesmo Dharmakaya budista e o mesmo Fohat tibetano, o Senhor e única fonte do Universo 14:161 (Cf. em DEUS, O TODO; no Volume 1), ou teremos chegado apenas à compreensão de uma das manifestações Dele, no nosso Assiah (Mundo da Matéria dos cabalistas):
“O Tao do Céu é vazio e sem forma” 14:161.
Kuan Tsé (VII a.C.)
Desse modo, é do vazio físico que todas as manifestações surgem e é nele que todas desaparecem. Duas maneiras de existir, uma ativa e uma passiva. Forma é vazio e vazio é forma. Por serem manifestações transitórias do vácuo, nada manifestado pode ser considerado individual. Esse tipo de energia existente no vácuo, que ora se dispersa e ora se condensa, a que os físicos chamam de campo quantizado, os chineses chamam de Ch’i. O significado literal de Ch’i manifesta conceitos de “éter” ou “gás”. Dessa forma podemos correlacioná-lo com o sopro vital bíblico que anima o homem, o fluido universal de Allan Kardec (1.804-1.869), o ki japonês ou o Prana hindu, presente em todo o espaço e “animando” todas as formas visíveis transitórias. Será que o conceito de “ser vivo” e “ser não-vivo” se correlacionaria com a quantidade de Ch’i, ou energia de campo quântica presente na forma manifestada?
“O Grande Vácuo [Wu Chi] não pode consistir senão de Ch’i; este Ch’i não pode condensar-se senão para formar todas as coisas e essas coisas não podem senão dispersar-se de modo a formar o Grande Vácuo”14:163.
Chuang Tsé (IV a.C.)
“Forma é vazio, vazio é na verdade forma. Vazio não difere da forma, a forma não difere do vazio. O que é forma é vazio; o que é vazio é forma” 14:164.
Prajna-paramita-hridaya sutra – escola budista Mahayana
Os budistas entraram de forma profunda no conceito de “vazio” (shunya). Buda, no seu Sutra da Sabedoria e Perfeição, deu seus ensinamentos acerca dele. A interpretação desses ensinamentos tem diferenças, de acordo com a escola de pensamento filosófico. Por exemplo, para a escola Madhyamika, entender o vazio significa entender que nenhum fenômeno observável pode ter uma existência inerente e tudo o que existe não tem existência independente, ou seja, todos os fenômenos e objetos são ilusórios e irreais. Em outras palavras o real (vazio) é tudo aquilo que é independente, que existe por si mesmo, do contrário é irreal, dependente e ilusório.
Entrar no vazio seria vivenciar a natureza real subjacente de todos os fenômenos, experimentar o Silêncio. Então o “vazio” não é um vazio, mas está “cheio” com algo (alguma forma de energia vibratória) que preenche essa realidade. A natureza final das coisas seria, então, esse “nada”. Para essa escola budista, essa é a Verdade final, em contraste com a verdade convencional que afirma que as pessoas e as coisas existem independentemente. O Zen tem como meta a busca desse “vácuo”, dessa paz, desse “abismo de glória”, experimentar mentalmente esse vazio: um estado ampliado de consciência. Se o vazio é a realidade e o presente idem, como visto anteriormente, vivenciar e sentir o presente é penetrar no vazio, ou ao inverso, penetrar o vazio é vivenciar e sentir conscientemente esse eterno presente.
Os místicos católicos, bem como de todas as tradições, falam de vazio, escuridão, vácuo e nada, palavras que sugerem total negatividade, mas os descrevem com um colorido todo especial de alegria, beleza e riqueza. Mestre Eckhard (1.260-1.328), monge dominicano, o chama de Treva Divina superessencial (SOPHIA 1:20). O Vazio é o Silêncio onde a Palavra de Deus vibra e mantém o Universo ilusório.
“Uma palavra disse o Pai, que foi seu Filho [o Verbo] e esta Palavra o Pai a diz no eterno silêncio e em silêncio é preciso que pela alma ela seja ouvida” 87:18.
São João da Cruz (1.540-1.591)
“Se não fosse a Sua presença sustentadora, todas as coisas cessariam de existir e cairiam no Nada” 12:44
Madre Teresa de Calcutá (1.910-1.997)
É possível pensar que o vazio existe, mas, segundo o XIV Dalai Lama, o próprio vazio não tem existência independente. O vazio também depende de alguma coisa, pois é um aspecto de todas as coisas observadas. Dessa forma, se o vazio não tem existência independente, ele não é real e existe um vazio do vazio que teríamos que perceber 28:164. Se continuarmos esse raciocínio indefinidamente, poderemos inferir que a Verdade final é a ausência de uma natureza absoluta independente 28:166.
Podemos usar uma metáfora intelectual para se ter uma idéia dessa outra dimensão da existência, onde todas as coisas estão interligadas, da qual não temos consciência. Pense que você é uma pequena gota, da superfície de um imenso oceano. Enquanto na superfície, você vivencia todas as tormentas a que essa superfície está sujeita: torra de calor quando ao sol, congela de frio com os ventos noturnos, é jogado de um lado para o outro, ao sabor das tormentas que lhe atingem, e a todos os seus amigos da superfície, e se resigna a essa sua sorte como a única realidade existente. Mas um colega seu, por acaso, numa dessas tormentas foi jogado um pouco para o fundo e teve um vislumbre de uma dimensão em que uma profunda paz é a realidade e conclui que a superfície é apenas uma ilusão. Esse seu amigo passa a viver aquela paz, se torna uma “gota estranha” no mundo da superfície, a quem nenhuma atribulação da superfície atinge ou a torna infeliz. Assim, ela conta a uma outra gotinha o que observou no lapso de tempo em que esteve submerso. Essa gotinha, por seu próprio esforço e após anos de tentativas, consegue submergir e comprova, por si mesmo, que aquela realidade existe de fato, e dá o seu testemunho ao reino das gotinhas. Mas você não acredita, simplesmente porque a quase totalidade das gotas da superfície não relata o mesmo e porque você mesmo nunca experimentou essa realidade. Você as chama de malucas ou místicas.
O oceano é o vazio físico e religioso, um “nada” cheio de “tudo”. Aquelas gotas tiveram um vislumbre mental do “vazio”, ou em outras palavras, tiveram uma experiência mística. Na linguagem das religiões: o pangree africano, o Samadhi hindu, o Sanmai (grande fixação) zen-budista, o nirvana ou jhana budista, o Daat judeu hassídico, o êxtase contemplativo cristão (contemplação infusa), o fana muçulmano, a percepção transcendental da meditação transcendental, a turiya da kundalini-yoga, a superconsciência de Sri Aurobindo (1.872-1.950) e de Paramahansa Yogananda (1.893-1.952), a Grande Imobilidade dos taoístas, etc.. Enfim, como gota, a sua individualidade dura o exato lapso de tempo em que você salta da superfície, após o que você novamente é incorporado ao oceano.
A existência é, então, uma grande teia cósmica energética em que tudo o que pode ser chamado de individualidade está, de alguma forma, separado do Real (do Vazio) e que falar de Vida só faz sentido quando se tem em mente a unidade de todas as coisas na Grande Teia Cósmica da Vida Una. Toda individualidade é impermanente e ilusória.
quarta-feira, 17 de março de 2010
O SIMULACRO
Teatro - Colaboradores
Por Lau Santos Ter, 02 de Fevereiro de 2010 01:55
Um jogo entre: o ator, o olho mecânico e o tele/espectador.
“una imagen más otra imagen, es mucho más que dos imagens”
Gonzalo Justiano
TOMADA 1
Se encararmos o cinema e outros meios audiovisuais (TV, vídeo e mídia digitalizada) como agentes do real, ainda que seja o registro de algo ficcional, qual seria o efeito destas máquinas de “tatuar” imagens sobre o corpo do ator que esta exposto a ela? De que forma este “corpo transparente” do ator age sobre o espectador, que o descobre?
Existe um lugar, com direito a detalhes (close-ups) do corpo do ator, produzido na relação de tensão do homem com esta máquina de captar imagens, no ato de captá-las, aonde acontecem negociações de ordem estética de suma importância para a construção de um estado de representação, ou seja, de um “real-imaginado”. Afinal é no espaço da construção, na produção da imagem captada e na sua materialização na tela que aparecem os corpos: do individuo-ator e do individuo-espectador. Uma experiência audiovisual determinada pelas aparências é o que abre o jogo para uma relação de presença e ausência, identificação e distância, aqui e lá. Segundo Arlindo Machado, a arte cinematográfica tem como objetivo principal “produzir um efeito de continuidade sobre uma seqüência de imagens descontinuas” (MACHADO, 2008, p.22). Cada individuo estabelece com as imagens uma espécie de conversação, de experiência singular e subjetiva como nos demonstra Jacques Ranciére, “Cada imagem então se separa das outras para se abrir a sua própria infinitude. O que faz a ligação, daí em diante, é a ausência de ligação, é o interstício entre as imagens que comanda, em lugar do encadeamento sensório-motor, um reencadeamento a partir do vazio”. É neste contexto que aparece o corpo do ator como “dispositivo” importante, como um dos elementos fundamentais para gerar uma relação de afeto no encontro do tele/espectador com a tela.
Como o ator encaixa seu corpo no quadro determinado pelo “buraco infinito” desta máquina de imagens? Cabe-nos refletir sobre este corpo, do ator, fragmentado, (re) cortado pelo olho mecânico da câmera e suas (in) capacidades de superar a artificialidade tecnológica e imprimir suas emoções em uma tela. A natureza invasora deste olho mecânico mede o grau de intimidade entre o corpo do individuo exposto e o olhar do individuo que descobre este corpo. Induzido pela “máquina de imagem” inicia-se, aqui, um jogo entre alguém que determina o que deve ser visto deste corpo, o corpo que é visto e o corpo daquele que vê o que foi determinado para ser visto. A noção de presença do ator no espaço cênico, neste caso a tela, esta diretamente relacionada com o “esquartejamento” de seu corpo feito pela câmera e a forma como ele se deixa revelar. A força deste corpo, a presença do ator acontece no simulacro de uma intimidade.
FUSÃO
Considerando os meios audiovisuais como máquinas de imagens, que papel teria o ator nesta engrenagem ? Seria o ator uma fábrica de imagens de si mesmo? Como pensar o ator neste jogo de presença e efeito de presença que acontece entre: o olho mecânico da câmera, o ator e a imaginação daquele que o assiste? Pode o ator burlar, ou melhor, dissimular, o estado confessional de seu corpo diante uma câmera em função de um “efeito de verdade”? Queremos enfatizar que quando falamos de estado confessional do corpo, estamos falando de algo revelador, alguma coisa encontrada no plano da invisibilidade e que se presentifica , torna-se notório quando acompanhamos a carreira audiovisual de determinado ator. A câmera dilata, delata, detalha e analisa a intimidade deste corpo através do enquadramento. Arriscamo-nos a dizer que o ator diante das câmeras sofre os efeitos do panóptico que nos fala Michel Foucault (1926 -1984) em seu livro “Vigiar e Punir”. De uma maneira geral tudo nos leva a crer que, segundo, a formula lançada por Edgar Morin (1921 -), ao comentar sobre o ator no cinema,”O eu penso do ator de cinema é um eu sou..” A materialidade da imagem projetada se confunde com o corpo do individuo/ator/personagem em um simulacro que se legitima através: de efeitos de verdade e efeitos de presença. Na “verdade” do jogo entre o que pode ser visto e o que não pode ser visto são deslocados os referentes daquele que assiste para uma fronteira entre o real e o não real. Do outro lado do “espelho” alguns atores e diretores insistem em que quanto menos se atua no cinema mais o ator se aproxima da “verdade”. Para o diretor Robert Bresson (1901-1999) o ator ideal para o cinema é aquele que não expressa nada: “O ator deve ser ele mesmo”. O que seria este não expressar nada?
Tal forma de pensar da escola francesa de cinema, enfatizado por Bresson, se justifica no exagero gestual dos atores da Comedie Française quando eram convidados para participarem de experiências cinematográficas no inicio dos anos 50. A busca por uma espontaneidade, uma presença que afastasse de forma definitiva o “fantasma” do ator teatral das telas fez com que muitos diretores e críticos optassem trabalhar com “não-atores”. Alguns diretores daquela época e alguns diretores ainda hoje defendem a importância de colocar um “corpo virgem”, sem vícios teatrais, na frente das câmeras, em função de uma “presença espontânea”, “natural”, “verdadeira”. Talvez desta maneira o que busca o olho humano que está por trás do olho mecânico possa se surpreender com algo que sempre estará tocando a fronteira do real e do ficcional, qualidade expressiva inerente a arte audiovisual e detectada nos primórdios da linguagem cinematográfica. Na busca de convencer o tele/espectador de seu compromisso com a realidade, a arte audiovisual tem se aprimorado em tentar metamorfosear o dia a dia. Atores ou não-atores devem dominar sua presença, devem “impressionar’, através de sua performance gestual. Aquele que assiste deve se sentir preenchido pela imagem “divina” projetada na tela, deve assimilá-las sem dissimulá-las, assumi-las como simuladas verdades estrategicamente montadas para o prazer de seus olhos e ouvidos.
Por exemplo, para o crítico e diretor francês, François Truffaut (1932- 1984), o mítico ator, americano, Humphrey Bogart (1889 – 1957), famoso por seu estilo natural, possuía o corpo que melhor se encaixava na tela. Bogey man, como ficou conhecido este ator, dominava como ninguém as sutilezas de seus gestos na frente de uma câmera. Podemos nos interrogar que papel interpretava, Bogart quando atuava e de que forma este ator controlava a sua intimidade diante do olho mecânico? O pesquisador de cinema e autor do livro “Le corps au cinema” , Vincent Amiel nos afirma “A presença é então esta realidade (...) transparente como a verdade do ator que se apresenta através de signos necessários e incontrolados”(AMIEL, 2001, p.263). Percebemos que a dimensão da presença nos meios audiovisuais, se dá na forma como se revela a intimidade de um corpo que é dissecado em sua gestualidade. É na tensão que existe entre o olho humano e olho mecânico, no momento de captar as qualidades expressivas do ator, que aparecem os testemunhos da invisibilidade da matéria humana.
TOMADA 2
Seria o fator surpresa que sempre esteve presente na fotografia no momento da revelação da imagem, aquilo que passou despercebido pelo olho humano, mas que foi registrado pelo olho mecânico, a peça misteriosa que determina o poder expressivo de um corpo? Seria isto que queria descobrir Luis Buñuel (1900 -1983) ao assumir o acaso como um fator importante na sua criação cinematográfica? Sabemos que no mundo contemporâneo o deslocamento entre o que entendemos como real ou ficcional faz parte de uma equação complexa. Um convite para um exercício estético desliza diante dos nossos olhos a cada fração de segundo O que acreditamos ou não acreditamos é registrado por nosso corpo, uma quantidade enorme de imagens explode contra esse corpo. Resta-nos como testemunhos ativos de experiências audiovisuais, aceitarmos o jogo do simulacro e assistir o encontro do corpo do ator com o corpo do telespectador: uma batalha efêmera que se propaga na imagem projetada na tela durante alguns poucos minutos. Na memória ficam os rastros enigmáticos do conceito de presença. Um “fantasma”, exaustivamente comentado por Charlles Dullin, que aparece, algumas vezes, para nos conduzir ao vazio fascinante da imaginação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIÉRE, Jean-Claude. La Película que no se Vê. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1997.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godar. São Paulo: Cosac e Naify.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
FARCY, Gerard-Dênis e PRÉDAL, René (Sous la direction de). Brûler lês Planches,Crever L’écran. Saint-Jean-de-Védas: L’Entretemps editions, 2001.
MACHADO, Arlindo. Pré-Cinemas & Pós-Cinemas. Campinas: Papirus (coleção Campo Imagético) , 2008.
Por Lau Santos Ter, 02 de Fevereiro de 2010 01:55
Um jogo entre: o ator, o olho mecânico e o tele/espectador.
“una imagen más otra imagen, es mucho más que dos imagens”
Gonzalo Justiano
TOMADA 1
Se encararmos o cinema e outros meios audiovisuais (TV, vídeo e mídia digitalizada) como agentes do real, ainda que seja o registro de algo ficcional, qual seria o efeito destas máquinas de “tatuar” imagens sobre o corpo do ator que esta exposto a ela? De que forma este “corpo transparente” do ator age sobre o espectador, que o descobre?
Existe um lugar, com direito a detalhes (close-ups) do corpo do ator, produzido na relação de tensão do homem com esta máquina de captar imagens, no ato de captá-las, aonde acontecem negociações de ordem estética de suma importância para a construção de um estado de representação, ou seja, de um “real-imaginado”. Afinal é no espaço da construção, na produção da imagem captada e na sua materialização na tela que aparecem os corpos: do individuo-ator e do individuo-espectador. Uma experiência audiovisual determinada pelas aparências é o que abre o jogo para uma relação de presença e ausência, identificação e distância, aqui e lá. Segundo Arlindo Machado, a arte cinematográfica tem como objetivo principal “produzir um efeito de continuidade sobre uma seqüência de imagens descontinuas” (MACHADO, 2008, p.22). Cada individuo estabelece com as imagens uma espécie de conversação, de experiência singular e subjetiva como nos demonstra Jacques Ranciére, “Cada imagem então se separa das outras para se abrir a sua própria infinitude. O que faz a ligação, daí em diante, é a ausência de ligação, é o interstício entre as imagens que comanda, em lugar do encadeamento sensório-motor, um reencadeamento a partir do vazio”. É neste contexto que aparece o corpo do ator como “dispositivo” importante, como um dos elementos fundamentais para gerar uma relação de afeto no encontro do tele/espectador com a tela.
Como o ator encaixa seu corpo no quadro determinado pelo “buraco infinito” desta máquina de imagens? Cabe-nos refletir sobre este corpo, do ator, fragmentado, (re) cortado pelo olho mecânico da câmera e suas (in) capacidades de superar a artificialidade tecnológica e imprimir suas emoções em uma tela. A natureza invasora deste olho mecânico mede o grau de intimidade entre o corpo do individuo exposto e o olhar do individuo que descobre este corpo. Induzido pela “máquina de imagem” inicia-se, aqui, um jogo entre alguém que determina o que deve ser visto deste corpo, o corpo que é visto e o corpo daquele que vê o que foi determinado para ser visto. A noção de presença do ator no espaço cênico, neste caso a tela, esta diretamente relacionada com o “esquartejamento” de seu corpo feito pela câmera e a forma como ele se deixa revelar. A força deste corpo, a presença do ator acontece no simulacro de uma intimidade.
FUSÃO
Considerando os meios audiovisuais como máquinas de imagens, que papel teria o ator nesta engrenagem ? Seria o ator uma fábrica de imagens de si mesmo? Como pensar o ator neste jogo de presença e efeito de presença que acontece entre: o olho mecânico da câmera, o ator e a imaginação daquele que o assiste? Pode o ator burlar, ou melhor, dissimular, o estado confessional de seu corpo diante uma câmera em função de um “efeito de verdade”? Queremos enfatizar que quando falamos de estado confessional do corpo, estamos falando de algo revelador, alguma coisa encontrada no plano da invisibilidade e que se presentifica , torna-se notório quando acompanhamos a carreira audiovisual de determinado ator. A câmera dilata, delata, detalha e analisa a intimidade deste corpo através do enquadramento. Arriscamo-nos a dizer que o ator diante das câmeras sofre os efeitos do panóptico que nos fala Michel Foucault (1926 -1984) em seu livro “Vigiar e Punir”. De uma maneira geral tudo nos leva a crer que, segundo, a formula lançada por Edgar Morin (1921 -), ao comentar sobre o ator no cinema,”O eu penso do ator de cinema é um eu sou..” A materialidade da imagem projetada se confunde com o corpo do individuo/ator/personagem em um simulacro que se legitima através: de efeitos de verdade e efeitos de presença. Na “verdade” do jogo entre o que pode ser visto e o que não pode ser visto são deslocados os referentes daquele que assiste para uma fronteira entre o real e o não real. Do outro lado do “espelho” alguns atores e diretores insistem em que quanto menos se atua no cinema mais o ator se aproxima da “verdade”. Para o diretor Robert Bresson (1901-1999) o ator ideal para o cinema é aquele que não expressa nada: “O ator deve ser ele mesmo”. O que seria este não expressar nada?
Tal forma de pensar da escola francesa de cinema, enfatizado por Bresson, se justifica no exagero gestual dos atores da Comedie Française quando eram convidados para participarem de experiências cinematográficas no inicio dos anos 50. A busca por uma espontaneidade, uma presença que afastasse de forma definitiva o “fantasma” do ator teatral das telas fez com que muitos diretores e críticos optassem trabalhar com “não-atores”. Alguns diretores daquela época e alguns diretores ainda hoje defendem a importância de colocar um “corpo virgem”, sem vícios teatrais, na frente das câmeras, em função de uma “presença espontânea”, “natural”, “verdadeira”. Talvez desta maneira o que busca o olho humano que está por trás do olho mecânico possa se surpreender com algo que sempre estará tocando a fronteira do real e do ficcional, qualidade expressiva inerente a arte audiovisual e detectada nos primórdios da linguagem cinematográfica. Na busca de convencer o tele/espectador de seu compromisso com a realidade, a arte audiovisual tem se aprimorado em tentar metamorfosear o dia a dia. Atores ou não-atores devem dominar sua presença, devem “impressionar’, através de sua performance gestual. Aquele que assiste deve se sentir preenchido pela imagem “divina” projetada na tela, deve assimilá-las sem dissimulá-las, assumi-las como simuladas verdades estrategicamente montadas para o prazer de seus olhos e ouvidos.
Por exemplo, para o crítico e diretor francês, François Truffaut (1932- 1984), o mítico ator, americano, Humphrey Bogart (1889 – 1957), famoso por seu estilo natural, possuía o corpo que melhor se encaixava na tela. Bogey man, como ficou conhecido este ator, dominava como ninguém as sutilezas de seus gestos na frente de uma câmera. Podemos nos interrogar que papel interpretava, Bogart quando atuava e de que forma este ator controlava a sua intimidade diante do olho mecânico? O pesquisador de cinema e autor do livro “Le corps au cinema” , Vincent Amiel nos afirma “A presença é então esta realidade (...) transparente como a verdade do ator que se apresenta através de signos necessários e incontrolados”(AMIEL, 2001, p.263). Percebemos que a dimensão da presença nos meios audiovisuais, se dá na forma como se revela a intimidade de um corpo que é dissecado em sua gestualidade. É na tensão que existe entre o olho humano e olho mecânico, no momento de captar as qualidades expressivas do ator, que aparecem os testemunhos da invisibilidade da matéria humana.
TOMADA 2
Seria o fator surpresa que sempre esteve presente na fotografia no momento da revelação da imagem, aquilo que passou despercebido pelo olho humano, mas que foi registrado pelo olho mecânico, a peça misteriosa que determina o poder expressivo de um corpo? Seria isto que queria descobrir Luis Buñuel (1900 -1983) ao assumir o acaso como um fator importante na sua criação cinematográfica? Sabemos que no mundo contemporâneo o deslocamento entre o que entendemos como real ou ficcional faz parte de uma equação complexa. Um convite para um exercício estético desliza diante dos nossos olhos a cada fração de segundo O que acreditamos ou não acreditamos é registrado por nosso corpo, uma quantidade enorme de imagens explode contra esse corpo. Resta-nos como testemunhos ativos de experiências audiovisuais, aceitarmos o jogo do simulacro e assistir o encontro do corpo do ator com o corpo do telespectador: uma batalha efêmera que se propaga na imagem projetada na tela durante alguns poucos minutos. Na memória ficam os rastros enigmáticos do conceito de presença. Um “fantasma”, exaustivamente comentado por Charlles Dullin, que aparece, algumas vezes, para nos conduzir ao vazio fascinante da imaginação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARRIÉRE, Jean-Claude. La Película que no se Vê. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1997.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godar. São Paulo: Cosac e Naify.
DELEUZE, Gilles. A Imagem-Tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
FARCY, Gerard-Dênis e PRÉDAL, René (Sous la direction de). Brûler lês Planches,Crever L’écran. Saint-Jean-de-Védas: L’Entretemps editions, 2001.
MACHADO, Arlindo. Pré-Cinemas & Pós-Cinemas. Campinas: Papirus (coleção Campo Imagético) , 2008.
SIMULACRO , SIMULAÇÃO - BOAS DICAS DE LEITURA
SIMULACRO , SIMULAÇÃO - BOAS DICAS DE LEITURA
No livro "Symbolic Exchange and Death" Jean Baudrillard argumenta que as sociedades ocidentais foram submetidas a uma "precessão dos simulacros", onde temos o original e as três ordens de simulacros:
A imitação;
A produção, a cópia mecânica;
E, por fim, a terceira fase do simulacro: a simulação, onde interagimos com representações/símbolos/imagens/ícones, achando que é o original.
O LIVRO-Simulacro e poder:
Uma análise da mídia
Dados técnicos
Editora: Fundação Perseu Abramo
ISBN: 8576430274
Páginas: 144
Ano: 2006
Edição: 1ª
Lingua: Português
Peso: 180 gramas
Autora: CHAUI, Marilena
Sinopse
Marilena Chaui fala sobre a abolição da diferença entre os espaços público e privado e como os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada. Para a professora, enquanto o pensamento e o discurso de direita reiteram o senso comum que permeia a sociedade, no caso da esquerda é preciso ultrapassar obstáculos, o que representa desmontar esse senso comum e a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir.
ApresentaçãoPara a classe dominante de uma sociedade, pensar e expressar-se é coisa fácil: basta repetir idéias e valores que formam as representações dominantes da sociedade (afinal, como dizia Marx, as idéias dominantes de uma sociedade são as da sua classe dominante).
O pensamento e o discurso da direita, apenas variando, alterando e atualizando o estoque de imagens, reiteram o senso comum que permeia toda a sociedade e que constitui o código imediato de explicação e interpretação da realidade, tido como válido para todos. Eis por que lhe é fácil falar, persuadir e convencer, pois os interlocutores já estão identificados com os conteúdos dessa fala, que é também a sua na vida cotidiana.
Para a esquerda, porém, a dificuldade é imensa porque o pensamento e o discurso são forçados a realizar quatro trabalhos sucessivos ou até mesmo simultâneos: precisam, primeiro, desmontar o senso comum social; em seguida, precisam desmontar a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir, aparência sobre a qual se funda tanto a fala da direita como a compreensão dos demais agentes sociais; precisam, a seguir, reinterpretar a realidade, revelar seus fundamentos secretos e suas operações invisíveis para que se possa compreender e explicar o surgimento, as formas e mudanças da sociedade e da política; e, finalmente, precisam criar uma fala nova, capaz de exprimir a crítica das idéias e práticas existentes, capaz de mostrar aos interlocutores as ilusões do senso comum e, sobretudo, de transformar o interlocutor em parceiro e companheiro para a mudança daquilo que foi criticado.
Assim, enquanto para a direita basta repetir o senso comum produzido por ela mesma, para a esquerda cabe o trabalho da prática e do pensamento críticos, da reflexão sobre o sentido das ações sociais e a abertura do campo histórico das transformações do existente.
Marilena Chaui
No livro "Symbolic Exchange and Death" Jean Baudrillard argumenta que as sociedades ocidentais foram submetidas a uma "precessão dos simulacros", onde temos o original e as três ordens de simulacros:
A imitação;
A produção, a cópia mecânica;
E, por fim, a terceira fase do simulacro: a simulação, onde interagimos com representações/símbolos/imagens/ícones, achando que é o original.
O LIVRO-Simulacro e poder:
Uma análise da mídia
Dados técnicos
Editora: Fundação Perseu Abramo
ISBN: 8576430274
Páginas: 144
Ano: 2006
Edição: 1ª
Lingua: Português
Peso: 180 gramas
Autora: CHAUI, Marilena
Sinopse
Marilena Chaui fala sobre a abolição da diferença entre os espaços público e privado e como os códigos da vida pública passam a ser determinados e definidos pelos códigos da vida privada. Para a professora, enquanto o pensamento e o discurso de direita reiteram o senso comum que permeia a sociedade, no caso da esquerda é preciso ultrapassar obstáculos, o que representa desmontar esse senso comum e a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir.
ApresentaçãoPara a classe dominante de uma sociedade, pensar e expressar-se é coisa fácil: basta repetir idéias e valores que formam as representações dominantes da sociedade (afinal, como dizia Marx, as idéias dominantes de uma sociedade são as da sua classe dominante).
O pensamento e o discurso da direita, apenas variando, alterando e atualizando o estoque de imagens, reiteram o senso comum que permeia toda a sociedade e que constitui o código imediato de explicação e interpretação da realidade, tido como válido para todos. Eis por que lhe é fácil falar, persuadir e convencer, pois os interlocutores já estão identificados com os conteúdos dessa fala, que é também a sua na vida cotidiana.
Para a esquerda, porém, a dificuldade é imensa porque o pensamento e o discurso são forçados a realizar quatro trabalhos sucessivos ou até mesmo simultâneos: precisam, primeiro, desmontar o senso comum social; em seguida, precisam desmontar a aparência de realidade e verdade que as condições sociais e as práticas existentes parecem possuir, aparência sobre a qual se funda tanto a fala da direita como a compreensão dos demais agentes sociais; precisam, a seguir, reinterpretar a realidade, revelar seus fundamentos secretos e suas operações invisíveis para que se possa compreender e explicar o surgimento, as formas e mudanças da sociedade e da política; e, finalmente, precisam criar uma fala nova, capaz de exprimir a crítica das idéias e práticas existentes, capaz de mostrar aos interlocutores as ilusões do senso comum e, sobretudo, de transformar o interlocutor em parceiro e companheiro para a mudança daquilo que foi criticado.
Assim, enquanto para a direita basta repetir o senso comum produzido por ela mesma, para a esquerda cabe o trabalho da prática e do pensamento críticos, da reflexão sobre o sentido das ações sociais e a abertura do campo histórico das transformações do existente.
Marilena Chaui
terça-feira, 16 de março de 2010
OS SINAIS
CONTOS & TEXTOS
Os Sinais
"No princípio, o silêncio era tudo o que havia. O absoluto. Um límpido e enorme vazio completamente cheio...Do nada. Pode a mente humana imaginar o que é isso? O nada? Uma voz, de timbre que não havia e nem há com o que se possa comparar, rompe aquele silêncio. Embora forte e paradoxalmente suave, não era nem masculina tampouco feminina. Simplesmente era...o que sempre foi. E ordenara:
- Faça-te!
A ordem despedaça o nada em fragmentos ruidosos. Do som, surge fogo, e com ele um calor tão intenso que seria incompreensível um homem medir ou conceber.
Era o primeiro elemento criado. E do que era absoluto, surgem então sóis, estrelas e o conselheiro que faria companhia ao dono daquela voz: o Tempo. Com ele outros elementos surgiram. Estranhos, fascinantes, transparentes...nus.
Poderiam ser percebidos, tocados, sentidos e até represados. Mas jamais possuídos.
Eram dois elementos concebidos no útero do Tempo: a Água e o Ar. E o Tempo apresentou-os à Allah, e ele aspirou a Ar e soprou-lhe a face em agradecimento. Do sopro, nascera o Vento, irmão daqueles elementos e também uma das criações preferidas deste aqueles idos. Preferida porque ele representaria a autonomia de toda a criação e da própria Vida.
Daquele sopro, surgira também o pó, que espalhou-se. E dos fragmentos do nada fez-se acúmulo. Transformou-se em Terra, o quarto elemento. Da essência líquida, do gás, com o auxílio do fogo e do repouso da terra, graças à ação do Vento, surgiram lagos, rios, oceanos e mares. E Allah refrescou-se. Mergulhou sua semente e fecundou sua criação.
Dela cresceram outros seres. Palmeiras, árvores e flores. E vieram então os frutos.
Não havia deserto. Allah, satisfeito com a obra, descansou. Batizou sua obra de Haiêt Jnáine (Jardim da Vida). Mas ainda faltava-lhe algo e lamentou-se ao Tempo:
- Sinto-me só meu conselheiro. Possuo minha obra, mas dela queria ser possuído.
Senhor de mim e desta grandeza o que falta-me? O que falta a minha criação?"
E o Tempo respondeu-lhe
- Senhor, de ti tudo emana e do nada e do silêncio me fez surgir. Digo-lhe que é hora de entregar-se à tua obra. Dá de si. Doa tua alma e faça dela a tua perfeição. Faça-te em segredo teu quinto elemento! E dele, fecunda, gera e faça nascer filhos teus em carne para que possam conhecê-lo em espírito, responde-lhe o Tempo.
E Allah disse:
- Assim será. Meus filhos possuirão a obra. Eles cobrirão a Terra que se fez Jardim e frutificarão por si mesmos. Elevarei montes sob as águas e esta será minha herança às gerações. Estarei presente e criarei um lugar onde guardarei todos os segredos do quinto elemento criado junto aos meus filhos. Tu os educará e sob tua orientação criarei esse local. Que sugere bom amigo?, pergunta Allah.
O Tempo, calmamente disse:
- "Aos teus olhos senhor, será um pequeno lugar com um portal menor ainda.
Somente um local assim poderá abrigar a grandeza de toda tua criação e obra.
Para abrir esse portal, será necessário o conhecimento de que existem inúmeras chaves forjadas pelos sentimentos, pelas emoções e pelas atitudes. Mas somente a chave forjada pelo quinto elemento abrirá a passagem. Será desta forma que teus filhos o conhecerão. Para obter tal chave, eles haverão de aprender o caminho verdadeiro até ela. Por trilhas, eu educarei vossos filhos a seguir esse caminho e ele os conduzirá até o quinto elemento.
- Assim será. Onde o depositarei bom conselheiro?
- No coração de teus filhos, responde-lhe o Tempo.
E assim foi.
A Terra fora habitada em carne e espírito por homens e criaturas.
Com os primeiros surgiram os sentimentos e emoções a forjarem as chaves guardando o segredo do quinto elemento no local determinado pelo Tempo. Diferentes entre si, os sentimentos eram únicos em sua natureza e possuíam seus contrapontos: as ações, as atitudes.
Cada sentimento possuiria uma chave e cada atitude a função de mostrar aos homens se estavam na trilha verdadeira ou não, a qual indicaria o único caminho que levaria até o portal onde se encontrava o quinto elemento criado por Allah. Entre os muitos sentimentos e atitudes estavam a chave da Tristeza, da Sabedoria, da Vaidade, da Alegria, da Luxúria, do Orgulho e muitos outros. E o homem cobriria a Terra na sucessão de suas gerações. Da mesma forma, o Tempo seria o mentor desta evolução.
Ele haveria de ter a colaboração do Amor a distribuir-se em carinho e afeto a todos os habitantes, inclusive aos elementos naturais, como a Água, a Terra, o Fogo e o Vento. Esse último desejava ardentemente tocar o Amor, embora livre, queria possuí-lo só para si. Mas o que Vento não sabia é que ele próprio era filho de Allah e um de seus elementos preferidos. Não sabia que seu pai havia criado o quinto elemento. Ele desconhecia sua essência que já lhe pertencia. Pior, o Vento não conhecera o Tempo.
Isso porque toda vez que o conselheiro de Allah iria visitá-lo, faltava-lhe o aviso da Paciência. Assim, ele não o esperava por sua própria natureza inquieta.
Enquanto isso, o Amor distribuía sua atenção entre toda a Terra. Porém, certo dia, o Vento, já não suportando a situação e a Impaciência que se instalara em si, resolveu elaborar um terrível plano. Sua base consistia em inseminar a Discórdia entre todos por meio de uma imensa tempestade. Um Dilúvio.
Para isso, necessitaria da ajuda das chaves forjadas pela Inveja, pelo Ciúme e pela Mentira, as quais viviam isoladas das outras e queriam infiltrar-se entre elas. Com o auxílio destas, ele acreditou que varreria qualquer oponente da Terra, fossem os homens ou outros sentimentos e criaturas. Teria o Amor e um coração definitivamente só para si.
Assim, o Vento foi ter com o pérfido trio a fim de concretizar seu intento. O que ele não contava é que justamente no momento em que conspirava, sua irmã, a Brisa, passou por ali sorrateiramente e ouviu tudo. Decepcionada, ela advertiu:
- Levarei isso ao conhecimento do Tempo. Irmão, como pôde conspirar contra nós?
Impedirei isso, pois vocês não levarão a cabo essa história!
Temendo a ameaça e que seu plano fosse destruído, furioso, o Vento aprisionou sua irmã numa caverna abafada e escura, abandonando-a à própria sorte. Na noite seguinte, o ardil foi iniciado. Enquanto a Inveja, o Ciúme e a Mentira inseminavam intrigas e discórdias entre os homens e outros sentimentos, o Vento, forte como era, tratou de formar lentamente uma tempestade nunca antes criada.
Sob uma árvore e deitado na relva, descansando os pés num lago, o Amor ouve aquela gritaria e logo trata de ver o que ocorria.
Era tamanha confusão que ninguém pressentiu a tempestade se formando.
O Amor, amenizando os ânimos, logo restabeleceu o entendimento. Porém, pressente algo errado. Junto com o pressentimento, aproxima-se dele um sentimento que foi logo perguntando o que estava acorrendo. Era o Medo, que possuía duas faces: uma amiga, a outra inimiga. A face inimiga paralisava quaisquer ações e atitudes de quem desse atenção a ela. O Amor era conhecedor disso.
- Precisamos urgente avisar a todos do perigo que se forma - disse o Amor. Pressinto uma terrível tempestade a se formar. Ajuda-me Medo.
E Ambos correram depressa, cada qual para um lado, avisar todos os outros habitantes.
Enquanto o Amor auxiliava para que todos pudessem encontrar barcos e correrem em busca de abrigo. A partir daí, nunca mais a Terra seria a mesma. O Medo apresentava-se com ambas as faces, confundindo homens e sentimentos. Não havia quem atacar, por conseguinte todos confundiram-se e trataram, cada qual, de fugir rapidamente da possível catástrofe causada pela tempestade. Nascia entre eles o instinto da sobrevivência individual de cada homem. Quebrara-se a harmonia ali reinante.
Enquanto isso, o Vento captura o covarde trio que o ajudou, e prende-os na mesma caverna em que aprisionara sua irmã Brisa. Havia somente um local indicado pelo Amor onde todos estariam em segurança plena, e que não era muito distante dali. Porém, os homens se apressaram em fugir, cada um com seus próprios sentimentos.
Só o Amor não se apressara. Ele jamais havia se apressado antes. Queria certificar-se primeiro que todos os habitantes estariam salvos. Sentindo falta de sua amiga Brisa e percebendo que o Vento também não havia fugido, a ele se dirigiu:
- Vento, viste tua irmã? Estou a procurá-la e não a encontro. Vamos encontrá-la.
- Também estou a procurá-la. Venha comigo, vamos encontrá-la juntos - respondeu o Vento, sabendo que não poderia soltar sua irmã.
O Amor subiu no dorso do Vento, e ambos sairam em busca da Brisa.
- Não podes amenizar a fúria desta tempestade?
- Não sei se posso, meu Amor. Esta tempestade é obra da Inveja, do Ciúme, da Mentira. Creio que o trio esteja com minha irmã, pois ela disse-me que desconfiara que eles queriam tomar de assalto a Terra para si. Eu avisei que seria perigoso conversar com estes sentimentos, mas ela não me ouviu. Se isso for verdade, temo por ela. Temos uma chance: ficas comigo e juntos poderemos destruir a tempestade.
Ao ouvir aquilo o Amor não compreendia. Ele jamais usara sua força para destruir coisa alguma, fosse da natureza fosse qualquer sentimento, homem ou criatura. Ele não conhecia a Inveja, o Ciúme e Mentira. Não podia crer que a Brisa estivesse correndo algum perigo. Seus pensamentos são interrompidos quando presente a presença de sua amiga...
- Ali! Ali! Desça-me Vento - pediu o Amor. Sinto que a Brisa está naquela caverna, presa.
Ao perceber que estava certo e prestes a descobrir quem estaria por trás do ardil, o Vento atende o pedido. Não sem antes aumentar mais a força daquela tempestade. Desta forma, deduziu que Brisa e o trio que aprisionara e afogariam rápido, porém ele teria "tempo" para salvara o Amor. Contudo, não foi assim que ocorreu.
O Vento não conhecia o significado tampouco a dimensão do Tempo. Jamais tivera a companhia da Paciência e nem a compreensão do que ele próprio criara. Assim, o Amor também começou a se afogar também. O Vento havia perdido seu controle. Sua mão, antes firme, agora estava embrutecida e disforme. Se resolvesse salvá-lo, acabaria por matar o Amor de vez.
Em desespero, clamou:
-Alguém ajude-me! Não posso perdê-lo.
Muitos homens, mulheres e crianças se afogaram. Criaturas terrestres, da mais belas as mais exóticas são tragadas pelas águas. Pássaros também, e os que mais mostraram resistência foram as águias e os falcões. Assim a Morte foi trazida à Terra. Se acaso ela se apossasse também do Amor, isto significaria o fim de todos os homens, dos sentimentos e de toda a criação. O fim da existência e do Jardim da Vida.
Avistando ainda alguns barcos que estavam partindo, o Vento rumou em direção a eles. Aos prantos, implorou para que salvassem o Amor. A Riqueza e a Avareza, ouvindo seu clamor desesperado, disseram:
- Não podemos levá-lo. Veja todo esse ouro, prata e bronze que carregamos. Teremos que jogar fora parte desse tesouro nas águas para recebê-lo em nosso barco, senão ele afundará.
O Vento pediu então a Vaidade, que vinha logo atrás.
- Também não posso levar o Amor. Olhe para ele? Esteve tão ocupado em auxiliar os outros que esqueceu de si próprio. Veja a situação em ele se encontra agora. Além de ter se sujado, se machucou. Bem sabe que eu não suporto sujeira e dor.
Logo atrás dela vinha o barco da Tristeza:
- Ajude-o amiga Tristeza", pediu. Mas a Tristeza só via a si mesma e, de tão desolada, respondeu-lhe:
- Não quero a companhia de ninguém. Quero partir e ficar sozinha no meu barco. Ajude-o você mesmo.
Chorando, o que piorava ainda mais a tempestade por causa de suas lágrimas, o Vento implora à Alegria que salve o Amor. Rindo, ela pergunta:
- ...O quê? Que é que está gritando aí? Estou feliz em partir para outros mundos, conhecer novas terras...Pare de chorar. Seu desespero vai inundar meu barco! E partiu às gargalhadas.
O Vento não conhecia a Esperança. Vendo que o Amor estava sem forças, decidiu soltar sua irmã e implorar-lhe perdão e ajuda. Ao soltá-la, o pérfido trio também escapou. Porém não eram mais a Inveja, o Ciúme e a Mentira. Da união dos três, nascera a Traição.
Enquanto isso, a Brisa só consegue fazer com que o Amor segure-se na última pedra que ainda se via sobre a superfície da água.
A tempestade transformara-se num furacão de proporções não imaginadas. A Terra, quase totalmente inundada, estava próxima do fim.
Vítima da Ignorância de si mesmo, o Vento chorou convulsivamente.
- Salvem o Amor! Eu imploro!
Eis que lembrou-se daquele a quem ele jamais havia esperado para uma visita...Ele nem lembrava mais seu nome, contudo ainda assim clamou, olhando para o infinito daquele céu sombrio e escuro:
- Eu Imploro, eu imploro!
E do nada, surge serenamente um misterioso ancião a remar numa pequena canoa. Cada vez que o velho tocava com o remo as vagas e imensas ondas, a agitação se acalmava e o fluxo da água diminuía. Sem forças, o Amor o vê, mas desfalece em seguida. O velho o ampara antes que ele se afogasse. Em seus braços, coloca-o carinhosamente no pequeno barco. Com a ajuda da Brisa, leva-o para o mais alto dos picos.
Lentamente, o Amor foi se recuperando. Ao abrir os olhos, vê a Brisa e ao seu lado uma velha amiga, a Sabedoria, a quem pergunta:
-Quem era aquele homem que me salvou?
A Sabedoria responde-lhe que tinha sido o Tempo.
- Por que só o Tempo pôde me salvar e trazer até aqui?, questionou.
- Porque só ele tem a capacidade de auxiliar a tudo e a todos os habitantes e elementos dessa terra. Ele é meu irmão e o mestre que ensina os homens a chegarem aos locais mais difíceis. A entenderem a vida, os sentimentos. A conhecerem o significado do respeito e da gratidão. A descobrirem a chave e o local onde estão guardados os segredos de quem nos criou.
Allah presenciara tudo. Permitira o Tempo intervir e, com seu poder desfaz aquela desordem.
- Cesse a tempestade! A partir de agora, sequem as águas desse oceano até transformarem-se em desertos de areia. Neles criarei pequenas ilhas, onde o Amor as habitará. E nenhum covarde conhecerá ao que chamarei de Oásis.
Não esquecendo-se de quem provocara aquele caos, Allah enuncia
-Tu Vento, provocaste tal desordem por tua ignorância. Querias para ti, o que já possuías. Não ouviste aquele que te diria isso. Jamais ouviste a Paciência que lhe traria o Tempo como conselheiro. Agora, terás tua alma presa na liberdade. Serás livre e teu coração viverás em solidão até que este deserto se transforme em oceano novamente, por tuas próprias lágrimas.
Ao ouvir o decreto de Allah e saber que o Vento era o responsável por aquela tragédia, o Amor pediu:
- Senhor, saberei viver nessas ilhas. Oásis. Ainda que sem companhia, ainda que minha alma, agora dividida, aguarde por 10 mil anos... Nada reclamarei, pois o Tempo me salvou. Por teus segredos Allah, clamo pelo Vento. Permita que eu possa tocá-lo ao menos uma única vez. Não posso abandoná-lo, tampouco confiná-lo à solidão de sua liberdade. Prometo que juntos, eu e o Vento, mostraremos aos homens o caminho para a chave que abrirá o portal de vossos segredos.
Ao ver tal o desprendimento, Allah se compadece:
- O Vento, ao invés de preservá-lo, com sua ação trouxe a Morte à minha obra. Haiêt Jnaíne não será mais aqui. Contudo, em minha obra nada, nem ninguém, homem, criatura ou elemento perderá aquilo que possui. Se perder, será a ilusão de ter possuído o que de fato não foste de direito. Assim, concederei teu pedido.
Toquem-se, uma única vez. Dessa união, vocês terão filhos. De vossos filhos nascerão gerações, e até que o deserto que criei se transforme em oceano novamente, que levem 10 mil anos, tu Vento, não será tocado pelo Amor novamente.
Ao ouvir isso, o Vento, em lágrimas convulsivas, agradece. Mas Allah não havia enunciado ainda sua punição.
- Vento, tu terás a alma livre com teu coração entregue! Tu atravessarás os desertos e toda a terra. A Inveja, o Ciúme, a Mentira, a Traição e a Morte serão tuas inimigas, as quais combaterás com a força do coração de vossos filhos. Serás portador das palavras que forem sussurradas por eles aos ouvidos de tua irmã Brisa. Terás meu conselheiro, o Tempo como permanente amigo. E tuas lágrimas amargas alimentarão meu Oásis. Tu verá e ouvirá o Amor, presente na alma e no coração dos teus filhos sempre que eles cruzarem estas areias.
E tua descendência haverá de descobrir a chave, forjada pelo quinto elemento e abrirá o portal dos meus segredos. Pois na alma dessas gerações haverá uma saudade cravada do que está inacabado. Será ela quem te libertará de tua própria Liberdade e Solidão. Eu os chamarei de Tuaregue. Não os abandonados de Deus, mas Filhos do Vento e do Amor. Filhos do Tempo...Filhos meus", finaliza Allah.
E assim foi...
Extraída do capítulo 3 - Os Sinais - do livro: 'O Tuaregue'
Expressões & Letras
POESIAS & POEMAS
O Louco
Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim: um dia, muito tempo antes
de muitos deuses terem nascido,
despertei de um sono profundo e notei que todas
as minhas máscaras tinham sido roubadas
- as sete máscaras que eu havia
confeccionado e usado em sete vidas -
e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente, gritando:
"Ladrões, ladrões, malditos ladrões!"
Homens e mulheres riram de mim e alguns
correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado,
um garoto trepado no telhado de uma casa gritou:
"É um louco!".
Olhei para cima, pra vê-lo.
O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua,
e minha alma inflamou-se de amor pelo sol,
e não desejei mais minhas máscaras.
E, como num transe, gritei:
"Benditos, bendito os ladrões que
roubaram minhas máscaras!"
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade
como segurança em minha loucura:
a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele desigual que nos
compreende escraviza alguma coisa em nós.
segunda-feira, 15 de março de 2010
DO FEMININO
A SUBJETIVIDADE EMOCIONAL NA OBESIDADE
Valdeci Gonçalves da Silva
“Quando o sofrimento não consegue se expressar pelo pranto, ele faz chorar outros órgãos” (H. Maudsley).
A Vênus de Wilendorf é uma estatua de imenso busto e abdome dilatado, data da era Paleolítica, e que representa a obesidade feminina. De fato, o tipo matrona ocupou espaços nas telas do Renascimento. Mas, depois deste período se instituiu o padrão magérrimo de beleza, exigido não somente nas passarelas, mas também imposto as cidadãs comuns que não sobrevivem à base de alface. Segundo Horkheimer (1976)1, “da natureza à modernidade, o corpo é visado, reeducado”. O modelo atual instigado pela mídia é construído, torturado, costurado e reconstruído nas clínicas e academias. Antinatural, muitas vezes é super valorizada a estética em detrimento da saúde. Neste sentido, Azevedo (apud AZEVEDO, 2002)2 diz que a influência cultural dos padrões de beleza predomina sobre os aspectos éticos e socioeconômicos. Enfim, a ditadura do culto às formas termina por implicar em maiores ônus para a figura feminina. Como salienta Dadinter (2003)3, a sociedade de consumo sexual, em particular para a mulher, o corpo deve ser jovem, performático e excitante. Porém, se por um lado, a busca do ideal de físico perfeito tem ênfase no narcisismo e está pautado na crença de que ele traga sucesso profissional, afetivo e social (MORGAN e AZEVEDO, 2002)2; por outro, a indústria alimentícia instiga hábitos com suas propagandas mirabolantes que estimulam o apetite. Uma vez que o alimento é um catalizador de emoções, isto associado ao estresse da vida moderna, não dar outra: Come-se cada vez mais, e qualidade indesejável. Para Woodman (2002)4, a obesidade é uma síndrome que consiste em sintomas não particulares, mas de um mal-estar geral na cultura ocidental.
Atualmente, a obesidade tornou-se uma epidemia mundial que, em sua imparcialidade, não discrimina ninguém, seja das classes abastardas ou proletárias. Embora o excesso de gordura tenha uma condição multideterminada, no entanto, a maioria dos casos não tem uma causa orgânica que a justifique, isto leva a pensar a obesidade como um Sintoma (LOLI, 2000)5. No entender de Groddeck (apud VOLICH, 2000)6, não existe doença orgânica ou psíquica, pois o corpo e a alma adoecem juntos. A etiologia da obesidade está relacionada à psicodinâmica dos conflitos somatizados devido às reações adaptativas e defensivas débeis ou inadequadas que atingem os mecanismos de defesa do ego (VOLICH6, 2000; SICHEL apud BUXANT, 1988)10, ou seja, fatores psicossociais e emocionais enfraquecem o funcionamento imunológico, bem como o metabolismo do organismo. A primeira vista o gordo pode parecer auto-suficiente, cuja gordura é usada como manobra para disfarçar seus sentimentos ansiogênicos. O transtorno alimentar é, na maioria das vezes, uma expressão de conflito inconsciente. Ou seja, de situações emocionais inacabadas, negadas, de lutos não elaborados que reativam o sofrimento psíquico. A pessoa obesa não constrói um anteparo, “um dique de proteção” contra essas emoções mal resolvidas que acabam por desaguar na compulsão alimentar. Em outras palavras, a fuga por meio da comida é uma tentativa de atenuar as angústias e as frustrações, que assume a função de preencher seu vazio afetivo e de trazer alívio para suas tensões e dificuldades das quais o obeso não consegue resolver e, assim, conquistar um certo estado de paz ou equilíbrio psíquico.
A obesidade pode representar a cristalização da impossibilidade de fazer sarar os doloridos da alma. Assim sendo, resigna-se à entrega, por vezes desenfreada, da comilança. Woodman (2002)4 diz que, “de um jeito ou de outro somos viciados porque nossa cultura patriarcal enfatiza a perfeição. Por isso, uma das maiores dificuldades no trabalho com adictos em comida consiste em ajudá-los a superar a sensação de desespero quando perdem a euforia associada a esse vicio” (passim). O alimento é o primeiro objeto transicional da criança, é ele que faz a ponte mãe-bebê, isto é, não é somente uma fonte de nutrição, pois estabelece e fortalece o vínculo de uma interação prazerosa de investimentos afetivos. Neste sentido, Loli (2000)5 e Woodman (2002)4 consideram que o ato de comer revela a busca de afeto maternal, comer desregradamente tem o poder magnético, na medida que parece prometer a presença da Mãe Amorosa. Ou seja, de uma mãe que nunca chega e sua falta se transforma em mais volume. Em geral, o obeso padece da Alexitimia, termo de origem grega que significa: a = sem; lexis = palavra; thymos = afetividade. Para MacDougall (apud LOLI, 2000)5, ele não consegue expressar em palavras o seu estado afetivo, e não distingue um afeto do outro ou o dispersa em ação para aliviar a excitação afetiva que não suporta. Os desejos estéticos e sexuais estão latentes na pessoa obesa, porém, as limitações físicas, a sofrível qualidade de vida, o risco de morte prematura devam consistir nas suas maiores inquietações, e de seus parentes. No entender de Fasolo e Diniz (2002)2, todos os membros da família afetam e são afetados pela doença, o paciente identificado não é o único que tem problema. Nesta perspectiva, Martins (2002)2 diz que pelo fato da família estar sendo atendida, não significa que seja a origem da doença, ela tem recursos a serem explorados para ajudar a promover saídas mais saudáveis para todos.
Por que também não pensar a obesidade como dobra da revolta inconsciente, uma forma de protesto pelo excesso das demandas sociais que ditam e controlam os modos de vida? Assim, na contra mão do sistema, o indivíduo procura impor suas vontades, soltando as rédeas de uma conduta alimentar “libertária” (aspada porque é seguida de culpa). De acordo com a nossa experiência clínica, embora queira vivenciar a sexualidade plena, o candidato à cirurgia, parece, num primeiro momento, mais disposto a ficar bem consigo. Na obesidade feminina, não se pode perder de vista que, quase sempre, tem viesses afetivos e/ou sexuais, a exemplo do medo de ser tida, pelo sexo oposto, como mero objeto sexual, etc. Neste aspecto, Schelotto (2000: 22)7 afirma que “os homens mesmo na presença das mais românticas palpitações de amor, dificilmente prescindem do aspecto físico”. Enquanto que o homem obeso deixa claro o desejo de recuperar as condições para um melhor desempenho sexual que, em parte, se deve as exigências do seu papel mais ativo no encontro amoroso. Geralmente, os obesos têm dificuldade de encontrar parceria sexual, e, quando isso acontece, reduz à atividade erótica aos limites que o peso e volume corporal impõem. A cirurgia é o primeiro passo na reconquista de si, entretanto, muito mais o cirurgiado precisa fazer na conquista da saúde, longevidade e vida social, o que inclui a disposição de contar, nesse empreendimento, com a ajuda de profissionais nas áreas da psicologia, da nutrição, da plástica e outras.
A cirurgia bariátrica tem se mostrado uma técnica de grande auxilio na condução clínica a grande maioria dos casos de obesidade (FANDIÑO et al., 2004)8. O paciente com transtorno do comer compulsivo evidencia uma história de tratamento anterior em relação ao controle do peso (APPOLINÁRIO, 2002)2. Isto significa dizer que se submeter à cirurgia bariátrica é, em tese, seu último recurso, deixar que o outro (médico) faça o que ele não conseguiu impor a si mesmo: Autocontrole. Mas, o cérebro não registra a redução do seu estômago, e ele não mais dispõe desse recipiente para as descarga e compensação das frustrações, impotências e castrações. E agora, para onde vão as energias agressivas da mastigação e de outros afetos insaciados? Daí a necessidade de acompanhamento psicológico no pré e pós-cirúrgico, para que o paciente compreenda e aceite seus sentimentos, e, em razão disto, maneje com mais assertividade as suas emoções. No entender de Gabbard e Westen (2003)9, na medida em que os sistemas inconscientes guiam a maioria de nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, em muitos casos, deverão ser o foco primário da ação terapêutica, assim sendo, o papel do analista é ajudar o paciente a se tornar ciente desses padrões inconscientes expressados na sua conduta.
A Avaliação Psicológica Pré-operatória de obeso mórbido é um processo criterioso de fundamental importância que consiste no uso de testes psicológicos atualizados e entrevistas que auxiliam na compreensão e orientação do paciente, objetivando a redução de possíveis complicações pós-operatórias. Para Fandiño et al.,(2004: 48)8, “o paciente no período pós-operatório também deve ser avaliado, a intervalos regulares para o acompanhamento do seu funcionamento posterior”. Na ótica destes autores, a equipe deve estar atenta para ocorrência de crises depressivas que podem aparecer após a cirurgia e que necessita de suporte e tratamento especializados. Na compreensão de Woodman (2002)4, a desprezada gordura é, de fato, a âncora na vida do obeso que ele assume e pode variar em proporção direta á aceitação ou a rejeição com que contempla sua humanidade. Porém, “a identificação não está marcada somente no espírito, mas também no corpo” (CASTETS In:1988: 9)10. Desse modo o luto pelo corpo perdido talvez precise ser enfrentado para que não torne a ocorrer um repentino aumento de peso. Elaborar a perda da então “adaptada carga” e introjetar a aceitação de uma nova silhueta que aos poucos vai sendo delineada. A função do psicólogo é, além de trabalhar no resgate das emoções do paciente, ajudá-lo também na restauração dessa imagem e esquema corporal. Como afirma Greenberg (apud ROMANO e MICANTI Romano In: 1988: 188)2, “mudar significa perder relações e situações precedentes e também perder aspectos do próprio Si”. Finalmente, com bastante propriedade Martins (apud LOLI, 2000: 29)5 diz que “emagrecer e ficar magro é uma condição que exige competência para lidar com a força imposta pela nova imagem corporal adquirida através do tratamento”.
REFERENCIAS
1. HORKHEIMER, M. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976.
2. NUNES, Maria Angélica Antunes et al. Transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.
3. BADINTER, Elizabeth. Fausse Route. Paris: Odile Jacob, 2003.
4. WOODMAN, Marion. O vício da perfeição. São Paulo: Summus, 2002.
5. LOLI, Maria Salete Arenales. Obesidade como sintoma. São Paulo: Vetor, 2000.
6. VOLICH, Rubens Marcelo. Psicossomática. 2. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.
7. SCHELOTTO, Gianna. Porque nos sentimos incompreendidos. Lisboa: Presença, 2000.
8. FANDIÑO, Julia, et al. Cirurgia Bariátrica: aspectos clínico-cirúrgicos e psiquiátricos. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. V. 26, n. 1, Jan/Abr, 2004.
9. GABBARD, Glen O e WESTEN, Brew. Repensando a ação terapêutica. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul. V. 25, n. 2, Mai/Ago, 2003.
10. HERMANT, G.(Org.). O corpo e sua memória. São Paulo: Manole, 1988.
OS MESTRES SÃO SÁBIOS...............
A CONSCIÊNCIA DE SUA MISSÃO
Freqüentemente, eu me pergunto: " O que cada um de nós está fazendo neste planeta?
Se a vida for somente tentar aproveitar o máximo possível as horas e minutos, esse filme é bobo.
Tenho certeza de que existe um sentido melhor em tudo o que vivemos.
Para mim, nossa vinda ao planeta Terra tem basicamente dois motivos: evoluir espiritualmente e
aprender a amar melhor.
Todos os nossos bens na verdade não são nossos.
Somos apenas as nossas almas.
E devemos aproveitar todas as oportunidades que a vida nos dá para nos aprimorarmos como pessoas.
Portanto,
lembre sempre que os seus fracassos são sempre os melhores professores e é nos momentos difíceis que as pessoas precisam encontrar uma razão maior para continuar em frente.
As nossas ações, especialmente quando temos de nos superar, fazem de nós pessoas melhores.
A nossa capacidade de resistir às tentações, aos desânimos para continuar o caminho é que nos torna pessoas especiais.
Ninguém veio a essa vida com a missão de juntar dinheiro e comer do bom e do melhor.
Ganhar dinheiro e alimentar-se faz parte da vida, mas, não pode ser a razão da vida.
Tenho certeza de que pessoas como Martin Luther King, Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, Betinho e tantas outras anônimas, que lutaram e lutam para melhorar a vida dos mais fracos e dos mais pobres,
não estavam motivadas pela idéia de ganhar dinheiro.
O que move essas pessoas generosas a trabalhar diariamente, a não desistir nunca?
A resposta é uma só: a consciência de sua missão nesta vida.
Quando você tem a consciência de que através do seu trabalho você está realizando sua missão você desenvolve uma força extra, capaz de levá-lo ao cume da montanha mais alta do planeta.
Infelizmente, muita gente se perde nesta viagem e distorce o sentido de sua existência pensando que acumular bens materiais é o objetivo da vida.
E quando chega no final do caminho percebe que o caixão não tem gavetas e que ela só vai poder levar daqui o bem que fez às pessoas.
Se você tem estado angustiado sem motivo aparente está aí, um aviso para parar e refletir sobre o seu estilo de vida. Escute a sua alma: ela tem a orientação sobre qual caminho seguir.
Tudo na vida é um convite para o avanço e a conquista de valores, na harmonia e na glória do bem.
Roberto Shinyashiki
sábado, 13 de março de 2010
PENSAMENTO ZEN -BUDISTA
O velho Mestre pediu a um jovem triste que colocasse uma mão cheia de sal em um copo d’água e bebesse.
Qual é o gosto? – perguntou o Mestre.
Ruim – disse o aprendiz.
O Mestre sorriu e pediu ao jovem que pegasse outra mão cheia de sal e levasse a um lago.
Os dois caminharam em silêncio e o jovem jogou o sal no lago.
Então o velho disse:
- Beba um pouco dessa água. Enquanto a água escorria do queixo do jovem o Mestre perguntou:
- Qual é o gosto?
- Bom! disse o rapaz.
- Você sente o gosto do sal? perguntou o Mestre.
- Não disse o jovem.
O Mestre então, sentou ao lado do jovem, pegou em suas mãos e disse:
- A dor na vida de uma pessoa não muda. Mas o sabor da dor depende de onde a colocamos.
Quando você sentir dor, a única coisa que você deve fazer é aumentar o sentido de tudo o que está a sua volta. É dar mais valor ao que você tem do que ao que você perdeu.
Em outras palavras:
É deixar de Ser copo para tornar-se um Lago.
(Pensamento Zen-Budista)
* Somos o que fazemos, mas somos principalmente o que fazemos para mudar o que somos.
IMAGENS ICONOGRAFIA ICONOFAGIA
As imagens que nos devoram
Antropofagia e Iconografia
Imagem nº 1
A corrida entre a máquina de escrever e a máquina de costura
No ano de 1919, na rua Koethener, em Berlim, os divertidos dadaístas, em mais uma de suas concorridas sessões públicas, promoveram uma corrida entre uma máquina de costura e uma máquina de escrever. Enquanto Raoul Hausmann costurava febrilmente uma tira de tecido juntando uma ponta à outra, Richard Huelsenbeck datilografava, como louco, página após página, de uma escrita qualquer. Quando o juiz e narrador George Grosz anunciou a vitória da máquina de costura, Huelsenbeck atirou a máquina ao chão em uma encenação de protesto, arrebentado-a.
Talvez sem saberem a extensão de sua brincadeira-heppenning, os dadaístas estavam vislumbrando naquele momento a derrota da escrita e sua lentidão e a vitória da sutura, do pesponto e da costura em seu gesto veloz de juntar pedaços. Já estávamos vivendo em um mundo ora rasgado, ora recortado, ora dilacerado e que somente se manteria como imagem de mundo se fosse costurado na forma de montagem ou colagem. A linha, que até então servira à escrita, passaria a ser apenas o fio que costura as imagens já prontas, imagens prêt-à-porter, porém sempre de segunda ou terceira mão, sempre já previamente digeridas pelos distribuidores de imagens em grande escala que já prenunciavam na atividade jornalística e na publicitária. A cultura do lento tecer criada pela escrita estava perdendo seu lugar para a cultura imagética da colagem e da montagem, da velocidade e da voracidade: uma imagem devora a outra velozmente, transformando-se em outra imagem, também pronta para ser devorada. A costura é a metáfora da colagem e da montagem. E a colagem é a representação por excelência das imagens que devoram imagens que, com razão, reivindicou Hans Belting na Casa das Culturas do Mundo em Berlim em janeiro de 1999, no primeiro seminário sobre as relações entre a imagem e a violência. Assim, temos na devoração de imagens pelas próprias imagens, uma das configurações daquilo que denominei “iconofagia”.
Imagem nº 2
A perspectiva em abismo
Foi Eduardo Peñuela Cañizal que apontou a existência de uma perspectiva em abismo no cinema do espanhol Pedro Almodóvar, que constrói algumas de suas imagens buscando substratos imagéticos nos filmes de Luis Buñuel, que, por sua vez, as reconstrói a partir de cenas de outros filmes ou ainda de imagens clássicas da pintura espanhola. Quando Pablo Picasso pinta suas versões de “As Meninas”, de Velásquez, também está trabalhando na ótica da perspectiva em abismo. Esta forma abismal de lidar com as imagens não se restringe ao cinema ou à pintura, passou a ser amplamente utilizada também pelos meios de comunicação de massa. Alguns anos atrás o jornal Folha de São Paulo publicou em sua primeira página a foto do esquife solitário de um pixador paulista morto no Rio de Janeiro. Dentro da onda de protestos dos leitores pela dureza da imagem, também se incluíam manifestações de júbilo e êxtase pela beleza da foto que lembrava grandes momentos da pintura universal, recordando que a fotografia publicada não tinha como objeto apenas a morte e a violência, mas também os efeitos de luz e sombra dos quadros de Rembrandt ou de Caravaggio.
Assim, o mundo das imagens iconofágicas possui uma dimensão abismal. Por trás de uma imagem haverá sempre uma outra imagem que também remeterá a outras imagens.
Imagem nº 3
A escrita e a imagem
A escrita nasceu das imagens figurativas. As superfícies de pigmentos e cores, espacialidades bidimensionais foram se reduzindo paulatinamente à unidimensionalidade da linha. Mas a palavra ‘linha’ vem do latim línea, que significava ‘fio de linha’ ‘corda ou cordel de linho’. Aqui temos o entroncamento, de onde nasceram, por um lado, o tecido, a roupa, as vestimentas em enfim, a moda e, por outro, a escrita, ambos veículos da chamada mídia secundária (Harry Pross). O desenvolvimento de cada um foi exatamente na direção oposta do outro. Enquanto a escrita nasce dos desenhos e das superfícies pintadas e se transformam em linha, o fio de linha se ordena em trama e urdidura com outros fios para se transformar em superfícies de tecidos. As direções de movimentos são, em princípio, invertidas: a imagem vira linha para criar a escrita e a linha vira trama para dar origem ás superfícies, para fazer os tecidos, para constituir as redes. Acontece que o século XX, o século da imagem, fez renascer a escrita imagética. Com o Futurismo, com o Cubismo, e sobretudo com Dada, mas também as artes aplicadas, o design e a propaganda passaram a iconizar a escrita e as letras voltaram a ser imagens, como no princípio permitindo que também a escrita e a letra recuperassem sua natureza bidimensional da origem. As imagens, superfícies bidimensionais, oferecem espaço para que nós, homens, entremos em seu mundo rapidamente.
Ao contrário da escrita que exige tempo de leitura e decifração, permitindo a escolha entre entrar ou não em seu mundo, a imagem convida a entrarmos imediatamente e não cobra o preço da decifração. A imagem não exige uma senha de entrada, pois o seu tributo é a sedução e o envolvimento. A imagem nos absorve, nos chama permanentemente a sermos devorados por ela, oferecendo o abismo do pós-imagem, pois após ela sempre há uma perspectiva em abismo, um vazio do igual (ou, como dia Walter Benjamin, uma “catástrofe” do sempre igual”), um vácuo de informações, um buraco negro de imagens que suga e faz desaparecer tudo o que não é imagem.
Imagem nº 4
A iconofagia, a antropofagia, a imagem e o beijo
Toda comunicação humana nasce do vínculo primordial da amamentação, do beijo que busca o alimento. Ao contrário da imagem, que nos leva a um abismo, o beijo nasce do ato da alimentação original e oferece, como contato e comunicação em mídia primária, a maternidade, a profundidade e a tridimensionalidade. Assim, o beijo, também sendo um ato de devoração, é essencialmente distinto da devoração das imagens ou pelas imagens. É a imensa diferença que há entre a antropofagia e a iconofagia. Enquanto na antropofagia (e o beijo é um legítimo ato de antropofagia!) devoramos o outro ou somos devorados pelo outro, na iconofagia somos devorados pelo abismo que tem como portal triunfal de entrada... uma imagem. E nos transforma, seres humanos tridimensionais de carne e osso, necessariamente, em imagens.
Como toda mídia secundária ou terciária, tanto a escrita, hoje iconizada para veiculação rápida pelos meios eletrônicos, como as imagens igualmente potencializadas por veículos de grande alcance, quando vistas apenas em sua natureza mediadora, são portanto a expressão de um abismo voraz, uma grande boca insaciável. Seu gesto, contudo, não é bilateral como o beijo. Sua operação não é uma troca, mas uma apropriação.
Imagem nº 5
Alimento e excremento
Toda ingestão pressupõe uma excreção. Assim também na iconofagia. Como ela consiste em uma infindável e abismal repetição, uma remontagem e uma recolagem, os excrementos das imagens que devoram imagens serão sempre mais imagens. A idéia dos excrementos resultantes da iconofagia, indagada por Bernd Ternes em Berlim, traz consigo ainda uma outra indagação: quais seriam os excrementos quando somos devorados pelas imagens? Quando devoramos imagens, produzimos imagens excrementais. E quando as imagens nos devoram, produzem elas imagens excrementais ou seres humanos excrementais? De qual natureza serão os detritos das imagens devoradoras?
Imagem nº 6
Voracidade compulsiva
A questão dos excrementos é tão mais importante quanto mais profundamente se adentra na era das montagens e das colagens. Um mecanismo de dependência se desenvolve a partir da geração e do consumo crescente de imagens, uma voracidade compulsiva.
Assim, não será difícil imaginar que a toda essa inflação das imagens trazidas pelo desenvolvimento das máquinas de imagens corresponde um inflacionamento na produção de imagens excrementais. As imagens visuais, as imagens auditivas, as imagens mentais e conceituais, aquelas mesmas imagens que ajudaram a povoar o imaginário da criatividade humana, que ajudaram o homem a construir a sua segunda natureza, sua cultura, entraram em processo de proliferação exacerbada. Quanto mais elas se oferecem como alimento, mais aumenta a avidez por imagens. Quanto mais aumenta a avidez, menos seletiva e menos crítica se tornam a sua recepção e a sua oferta. Quanto menos seletiva e menos crítica sua recepção, tanto menos vínculos e relações, tanto menos fios e elos, tanto menos horizontes e expectativas, tanto menos consideração por tudo que está ao lado, tanto menos ética, tanto menos história.
No desgaste e na perda da capacidade de vincular, de relacionar, é que se dá a inversão do processo devorador: de devoradores indiscriminados de imagens passamos a ser indiscriminadamente devorados por elas.
Imagem nº 7
A costura desesperada
Dentre as manifestações imagéticas mais desesperadas da devoração pelas imagens registram-se,s em dúvida, os trabalhos do artista esquizofrênico Artur Bispo do Rosário. Tendo vivido na Colônia de Psicopatas Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, por mais de trinta anos, sua obra artística aí se construiu, a partir de objetos extorquidos de outros internos do hospício. Tomava suas roupas, não raro valendo-se de suas qualidades de antigo boxeador campeão e marinheiro, e desfiava o tecido para, com a linha resultante, costurar e bordar infinitamente, com palavras, nomes e frases, suas bandeiras, faixas de concursos de beleza feminina, mantos e painéis. Envolvia cuidadosamente com a linha do tecido desfeito os objetos que transformaria em cetros, estandartes e mastros. A linha e a costura eram o canal de vinculação desesperada do artista no mundo das imagens em que vivia durante os surtos da doença. A febril e insana produção de símbolos indentificadores e demarcadores dão o testemunho da profusão de imagens que povoavam seu mundo interior – melhor dizendo, o mundo no interior do qual ele vivia. Sua obra, à maneira do “Merzbau” de Kurt Schwitters, foi preenchendo e invadindo cela após cela, corredor após corredor do manicômio, em um claro gesto de partilhar com os outros as insistentes imagens que o acompanhavam dia e noite.
Imagem nº 8
Nise da Silveira
O Museu da Imagem do Inconsciente, também no Rio, reúne, desde 1946, uma enorme coleção de produção imagética dos pacientes de hospitais psiquiátricos. Criado pela corajosa e genial Nise da Silveira, com o intuito de “fazer sondagens no mundo intrapsíquico” e abrir um “acesso ao mundo do esquizofrênico”, o Museu criou um método especial de ordenar e classificar as imagens produzidas pelos doentes mentais. Em seu acervo estão os testemunhos de vidas devoradas pelas imagens. Os desenhos, pinturas e esculturas componentes do acervo são representações das imagens em cujo mundo viviam atormentados os doentes-artistas. O Museu das Imagens do Inconsciente é mais uma documentação eloqüente da voracidade das imagens, desde aquelas mais primordiais e arquetípicas até aquelas que caracterizam o fecundo século XX, o chamado “século das imagens”.
Imagem nº 9
Leo Navratil
Foi o psiquiatra austríaco Leo Navratil, atuante durante muitos anos no Hospital Psiquiátrico de Gugging, perto de Viena, quem elaborou uma classificação dos principais traços expressivos das imagens produzidas pelos esquizofrênicos. Navratil detecta grandes traços estruturais como ‘fisionomização’, ‘geometrização/ritmização’ e ‘simbolização’. A freqüência com que ocorrem estes elementos estruturais nos desenhos e pinturas, na poesia e na escultura dos pacientes de Gugging, oferece a Navratil uma prova irrefutável sobre a tipologia das imagens que atormentam seus doentes. E oferece aos estudos da imagem, da comunicação e da cultura um caminho instigante para compreender a obsessividade do assédio a que nos submetemos. A fértil produção de imagens no decorrer do século que recém findou, independentemente de seu âmbito de origem, tem sempre presente ao menos um dos traços da expressividade esquizofrênica. A obsessão pelas fisionomias conhecidas e pelos ídolos, pelas caras e pela visibilidade fisionômica, a frenética repetição, a insaciável recorrência das mesmas imagens em evidência, a adoração pelos formatos padronizados, previsíveis e sempre os mesmos, a adoração dos símbolos e obediência cega a seus preceitos são alguns dos evidentes traços da subordinação humana em relação ao mundo das imagens. A contribuição de Leo Navratil, reconhecida internacionalmente, ainda se restringe ao pequeno mundo da psiquiatria, não tendo podido, por enquanto, frutificar em universos cognitivos mais amplos.
Imagem nº 10
As cavernas das imagens
A imagem também se constitui em diálogo com seu entorno. Assim temos que considerar seu espaço circundante como parte integrante essencial das imagens. As cavernas nas quais nasceram as primeiras manifestações artísticas, ao lado de serem locais de provável culto e provável introspecção, eram incubadoras de imagens, espaços nos quais o homem se permitia conviver lado a lado com suas imagens, conferindo ao seu imaginário, um tipo de “segunda realidade” (Ivan Bystrina), em primeiro lugar, o mesmo status que ele próprio possuía. Depois conferiu a elas o poder sobre seu próprio destino. Nesses espaços o homem elevou as imagens à condição de divindades. O espaço das cavernas de imagens migrou para os espaços das religiões, os templos, as catedrais, as mesquitas, as capelas. Sempre povoados pelas imagens, ora em suportes visíveis, ora na presença apenas de formas abstratas da arquitetura e da decoração, nas escritas das paredes ou apenas nas paredes das mentes, o espaço fechado dos templos assumiu o papel de útero das imagens que acompanhariam o homem em sua lida diária. Sua função era oferecer aos homens o alimento imaginal, enquanto sua própria imagem era de espaço de auto-sacrifício, entrega e regressão. A migração seguinte se dá na transferência das imagens para as salas de viver, o espaço social e nobre das moradias. Nesses espaços nos entregamos sem culpa, no calor da privacidade e no fim da resistência corporal, no estertor das coerções calendárias do dia (Harry Pross), nos entregamos à voracidade das imagens. Do “living room” ao “chatroom”, passando pelo “showroom” e pelos “sites”, o que caracteriza a todos é a proposta de aconchego, mas não mais acompanhado da introspecção, mas da ‘extrospecção’. Nestes espaços, como nas cavernas e nos templos, não estamos mais exercendo nossa capacidade de ver, mas nos colocamos como objetos para sermos vistos. Nos ofertamos ao olhar das imagens. Já não vemos as imagens, apenas somos vistos por elas.
Imagem nº 11
Corredores de imagens
Como nômade e caçador, o homem aprendeu a se apropriar das imagens à margem de seus caminhos. E, de volta ao calor e à fogueira do agrupamento, aprendeu a alimentar o imaginário dos outros de seu grupo, com as cenas apreendidas ao longo de suas estradas. A caçada buscava não apenas alimento, mas também imagens, das quais todos se alimentavam, caçadores e sedentários. Os caminhos, por terra ou por mar, sempre foram povoados por imagens. Para poder apropriar-se delas era necessário resistir ao seu poder de sedução ou vencer sua astúcia e/ou força física. O encanto das viagens na reside em outro lugar que não seja o da busca de imagens (visuais, acústicas, olfativas, gustativas, táteis ou vivenciais). Os caminhos, estradas e rotas de imagens, no entanto, migraram para as grandes avenidas, com painéis, outdoors e displays, luminosos e banners. Novamente o que ocorre é que, encerrados em nossas naves, somos presa fácil para as imagens que saltam sobre nós, que nos assaltam. A apropriação é mais uma vez inevitável: não somos chamados a ver, somos vistos pelas imagens. Exatamente assim ocorre também nas modernas avenidas da informação, as chamadas infovias e suas ferramentas de navegação. Não temos o direito de não olhar, escravos que nos tornamos de nossos olhos. E, com isto nos despedimos das sagas dos heróis que resistiram aos monstros devoradores e retornaram para produzir suas próprias imagens.
Norval Baitello Junior
28/mar/2000
Doutor em Ciências da Comunicação e Literatura Comparada pela Universidade Livre de Berlim. Coordenador do Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Semiótica da Cultura e da Mídia, junto à Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Diretor da Faculdade de Comunicação e Filosofia da PUC-SP. Autor dos livros: "Die Dada-Internationale. Der Dadaismus in Berlin und der Modernismus in Brasilien" e "O Animal que Parou os Relógios. Ensaios de Semiótica da Cultura e da Mídia".
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