Liberdade de criação ou liberdade de zombaria?
Charge sobre Beato João Paulo II: a "nota discordante" de “Il Misfatto”
ROMA, terça-feira, 10 de março de 2011 (ZENIT.org)
- Um dia quase perfeito, esplêndido e ensolarado, para Roma e para o
mundo. Assim poderia ser resumido o domingo 1º de maio, ou seja, o dia
em que o Papa João Paulo II foi beatificado. A liturgia solene celebrada
na Praça de São Pedro atraiu a Roma, de acordo com algumas estimativas,
cerca de 1,5 milhão de fiéis e peregrinos de todo o mundo, do distante
México até a Polônia, terra natal do novo Beato.
Tudo se desenvolveu com grande ordem e sem incidentes, mas não podia faltar a habitual "nota discordante". Disso se encarregou a dupla de jornalistas que dirige o jornal independente Il Fatto Quotidiano, Antonio Padellaro e Marco Travaglio, que - coincidências da vida -, precisamente no dia 1º de maio, publicaram, em sua charge no Il Misfatto, uma caricatura muito irreverente - segundo alguns, diretamente uma blasfêmia - do Papa Wojtyla.
O desenho, assinado pelo cartunista de quadrinhos eróticos, o italiano Milo Manara, representa o falecido Papa no Paraíso, onde repousa em uma nuvem e está rodeado por três mulheres-anjos, muito atraentes, com atitude provocadora e expressão maliciosa. Enquanto uma voz diz "Fizeram de você um santo! Acabou o passeio grátis!", a legenda que acompanha o desenho também é muito irreverente: "Na terra não o deixavam morrer (mas depois lhe deram esse prazer, não como ao pecador Welby). No paraíso não o deixam viver", lê-se, em alusão à doença e agonia do Papa polonês e à chamada "morte doce" de Piergiorgio Welby, em dezembro de 2006. Eloquente é também o título: "Não há paz para Wojtyla", que se lê em letras grandes.
Estamos na mesma. Enquanto os católicos comemoram a beatificação de Karol Wojtyla, conhecido também como "o gigante de Deus" ou "João Paulo II, o Grande", algumas pessoas têm que tirar sarro dos seus sentimentos ou ofender suas sensibilidades, tudo em nome do direito à sátira e à liberdade de expressão (muitas vezes entendida como liberdade para insultar). Isso levanta uma questão: Il Fatto teria colocado em sua charge uma imagem irreverente, fazendo referência a outras religiões, como a muçulmana? Provavelmente não, porque teria irrompido um pandemônio, com uma "fatwa" contra o cartunista e a redação. Basta lembrar o clamor provocado pela caricatura do profeta Maomé publicada em setembro de 2005, em um dos jornais dinamarqueses mais conhecidos, o Jyllands-Posten.
É incômodo constatar que, para os autores ou os que apoiam obras blasfemas, os cristãos deveriam permanecer em silêncio diante das provocações. Parece que a única reação que se consente é a de "oferecer a outra face". É revelador o episódio que teve lugar recentemente na França. No último Domingo de Ramos, um pequeno grupo de jovens destruiu, com marteladas, uma das obras da exposição "Je crois aux miracles. 10 ans de la Collection Lambert", aberta em 10 de dezembro em outra "cidade dos papas", Avignon, e que encerrou no domingo, 8 de maio. Como observa Christine Sourgins no site Décryptage (20 de abril), o grupo foi descrito pela mídia como um "comando católico", "termo militar que permite colocar todos no mesmo saco, com os islamitas". Ou seja: um cristão que reage a mais uma provocação termina, ipso facto, na categoria de extremista ou terrorista.
A obra de arte "destruída" é do artista americano Andres Serrano e se chama "Piss Christ" (Cristo de urina). Esta é a fotografia de um pequeno crucifixo imerso em urina (do artista), misturada com líquido seminal. O artefato remonta a 1987 e faz parte da série "Inmersions", que inclui, por exemplo, uma Última Ceia imersa em fluidos fisiológicos. De acordo com Serrano, que se proclama "cristão", o objetivo é chamar a atenção para a situação da AIDS. Desde o início, a obra - que ganhou em 1989 o prêmio Awards in the Visual Arts - tem provocado fortes polêmicas, nos EUA e na Austrália, onde foi questionada em 1997 pelo arcebispo de Melbourne, Dom George Pell.
O "ataque" à obra, considerada blasfema, no qual também se viu afetada outra fotografia de Serrano, "Soeur Jean Myriam", provocou reações diversas, incluindo a do ministro da Cultura francês, Frédéric Mitterrand. De acordo com o sobrinho do falecido presidente socialista François Mitterand, a ação atenta "contra um princípio fundamental", ou seja, "a liberdade de criação e de expressão consagrada na Constituição" (Décryptage). O próprio Mitterand admitiu, no entanto, que uma das obras danificadas "poderia chocar certo público". Uma declaração surpreendente, é claro, porque, como sempre lembra Sourgins, historiadora da arte e autora de "Les Mirages de l'Art contemporain" -, "a obra realmente choca".
Que os jovens tenham feito justiça com as próprias mãos, recorrendo à violência e destruindo duas das exposições, é certamente discutível. Porque isso significa "entrar em uma lógica arriscada", como observou Thibaut Dary, colaborador leigo da diocese de Nanterre (Décryptage, 21 de abril), que sugeriu outra resposta: "Kiss Cristo," a de beijar Jesus na cruz, como acontece na liturgia da Sexta-Feira Santa.
A lista de obras de arte contemporânea que desprestigiam o cristianismo, em particular o catolicismo, é muito longa. Por exemplo, a "Rã crucificada", do artista alemão Martin Kippenberger, uma rã verde (de fato, muito feia), crucificada, enquanto tem na mão (ou pata) direita uma cerveja e na esquerda, um ovo. Outro exemplo poderia ser o crucifixo obsceno feito por Federico Solmi, de Bolonha. O trabalho apresentado como a "renovação" de um crucifixo de 1200, representa uma figura nua na cruz (o próprio artista, sorrindo maliciosamente), com o turbante na cabeça, a cruz no peito e o órgão sexual ereto, saindo da roupa íntima.
Também fora do Ocidente não faltam as provocações artísticas anticristãs. Uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, com um cigarro na mão direita e uma lata de cerveja na esquerda, publicada em um livro didático do Ensino Fundamental, abalou a comunidade cristã da Índia no ano passado. Ainda em 2010, foi possível "admirar", em um shopping da capital chinesa Pequim, um Cristo crucificado com o rosto do personagem da Disney "por excelência", Mickey Mouse.
Não há dúvida. A arte contemporânea muitas vezes procura provocação em vez de beleza, inclusive o escândalo. Que um dos alvos favoritos seja a cruz ou Jesus crucificado, convida à reflexão. Talvez isso signifique que "o escândalo da cruz" - como São Paulo escreveu em sua Epístola aos Gálatas (5,11) - continua suscitando reações, também adversas, no mundo da arte contemporânea. Mas isso deve acontecer necessariamente de maneira vulgar ou algo pior?
(Paul de Maeyer)
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O desenho, assinado pelo cartunista de quadrinhos eróticos, o italiano Milo Manara, representa o falecido Papa no Paraíso, onde repousa em uma nuvem e está rodeado por três mulheres-anjos, muito atraentes, com atitude provocadora e expressão maliciosa. Enquanto uma voz diz "Fizeram de você um santo! Acabou o passeio grátis!", a legenda que acompanha o desenho também é muito irreverente: "Na terra não o deixavam morrer (mas depois lhe deram esse prazer, não como ao pecador Welby). No paraíso não o deixam viver", lê-se, em alusão à doença e agonia do Papa polonês e à chamada "morte doce" de Piergiorgio Welby, em dezembro de 2006. Eloquente é também o título: "Não há paz para Wojtyla", que se lê em letras grandes.
Estamos na mesma. Enquanto os católicos comemoram a beatificação de Karol Wojtyla, conhecido também como "o gigante de Deus" ou "João Paulo II, o Grande", algumas pessoas têm que tirar sarro dos seus sentimentos ou ofender suas sensibilidades, tudo em nome do direito à sátira e à liberdade de expressão (muitas vezes entendida como liberdade para insultar). Isso levanta uma questão: Il Fatto teria colocado em sua charge uma imagem irreverente, fazendo referência a outras religiões, como a muçulmana? Provavelmente não, porque teria irrompido um pandemônio, com uma "fatwa" contra o cartunista e a redação. Basta lembrar o clamor provocado pela caricatura do profeta Maomé publicada em setembro de 2005, em um dos jornais dinamarqueses mais conhecidos, o Jyllands-Posten.
É incômodo constatar que, para os autores ou os que apoiam obras blasfemas, os cristãos deveriam permanecer em silêncio diante das provocações. Parece que a única reação que se consente é a de "oferecer a outra face". É revelador o episódio que teve lugar recentemente na França. No último Domingo de Ramos, um pequeno grupo de jovens destruiu, com marteladas, uma das obras da exposição "Je crois aux miracles. 10 ans de la Collection Lambert", aberta em 10 de dezembro em outra "cidade dos papas", Avignon, e que encerrou no domingo, 8 de maio. Como observa Christine Sourgins no site Décryptage (20 de abril), o grupo foi descrito pela mídia como um "comando católico", "termo militar que permite colocar todos no mesmo saco, com os islamitas". Ou seja: um cristão que reage a mais uma provocação termina, ipso facto, na categoria de extremista ou terrorista.
A obra de arte "destruída" é do artista americano Andres Serrano e se chama "Piss Christ" (Cristo de urina). Esta é a fotografia de um pequeno crucifixo imerso em urina (do artista), misturada com líquido seminal. O artefato remonta a 1987 e faz parte da série "Inmersions", que inclui, por exemplo, uma Última Ceia imersa em fluidos fisiológicos. De acordo com Serrano, que se proclama "cristão", o objetivo é chamar a atenção para a situação da AIDS. Desde o início, a obra - que ganhou em 1989 o prêmio Awards in the Visual Arts - tem provocado fortes polêmicas, nos EUA e na Austrália, onde foi questionada em 1997 pelo arcebispo de Melbourne, Dom George Pell.
O "ataque" à obra, considerada blasfema, no qual também se viu afetada outra fotografia de Serrano, "Soeur Jean Myriam", provocou reações diversas, incluindo a do ministro da Cultura francês, Frédéric Mitterrand. De acordo com o sobrinho do falecido presidente socialista François Mitterand, a ação atenta "contra um princípio fundamental", ou seja, "a liberdade de criação e de expressão consagrada na Constituição" (Décryptage). O próprio Mitterand admitiu, no entanto, que uma das obras danificadas "poderia chocar certo público". Uma declaração surpreendente, é claro, porque, como sempre lembra Sourgins, historiadora da arte e autora de "Les Mirages de l'Art contemporain" -, "a obra realmente choca".
Que os jovens tenham feito justiça com as próprias mãos, recorrendo à violência e destruindo duas das exposições, é certamente discutível. Porque isso significa "entrar em uma lógica arriscada", como observou Thibaut Dary, colaborador leigo da diocese de Nanterre (Décryptage, 21 de abril), que sugeriu outra resposta: "Kiss Cristo," a de beijar Jesus na cruz, como acontece na liturgia da Sexta-Feira Santa.
A lista de obras de arte contemporânea que desprestigiam o cristianismo, em particular o catolicismo, é muito longa. Por exemplo, a "Rã crucificada", do artista alemão Martin Kippenberger, uma rã verde (de fato, muito feia), crucificada, enquanto tem na mão (ou pata) direita uma cerveja e na esquerda, um ovo. Outro exemplo poderia ser o crucifixo obsceno feito por Federico Solmi, de Bolonha. O trabalho apresentado como a "renovação" de um crucifixo de 1200, representa uma figura nua na cruz (o próprio artista, sorrindo maliciosamente), com o turbante na cabeça, a cruz no peito e o órgão sexual ereto, saindo da roupa íntima.
Também fora do Ocidente não faltam as provocações artísticas anticristãs. Uma imagem do Sagrado Coração de Jesus, com um cigarro na mão direita e uma lata de cerveja na esquerda, publicada em um livro didático do Ensino Fundamental, abalou a comunidade cristã da Índia no ano passado. Ainda em 2010, foi possível "admirar", em um shopping da capital chinesa Pequim, um Cristo crucificado com o rosto do personagem da Disney "por excelência", Mickey Mouse.
Não há dúvida. A arte contemporânea muitas vezes procura provocação em vez de beleza, inclusive o escândalo. Que um dos alvos favoritos seja a cruz ou Jesus crucificado, convida à reflexão. Talvez isso signifique que "o escândalo da cruz" - como São Paulo escreveu em sua Epístola aos Gálatas (5,11) - continua suscitando reações, também adversas, no mundo da arte contemporânea. Mas isso deve acontecer necessariamente de maneira vulgar ou algo pior?
(Paul de Maeyer)
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