sobre | t e m a s l i v r e s
Cabeça de Gordo
*Dr. Ricardo Pahl (Psicólogo, CRP 06/93958)
Muitas vezes nos deparamos com pacientes de psicoterapia preocupados com um diagnóstico médico recente, ligado ao
excesso de peso. Pré-diabetes, pressão alta, síndrome metabólica, inflamação das articulações, hérnias, entre outras parecem
surgir do nada na vida desses pacientes, que ficam assustados(as) ao ouvir do médico que precisam urgentemente controlar o
peso.
Percebem de repente que estão acima do peso, que seu corpo mudou e consequentemente perderam em eficiência no dia-adia.
Não sabem, contudo, explicar o que aconteceu, não lembram como e onde passaram a comer mais. Não têm memórias de
grandes comilanças que justificassem o ganho exagerado de peso.
Mas por que um psicólogo parece estar escrevendo sobre um problema médico? Porque muitas vezes esse ganho inesperado
de peso tem origem em questões comportamentais.
O ato de comer tem características fisiológicas e comportamentais. Como organismos comemos porque temos que sustentar a
vida, somos compelidos a comer por instintos bem desenvolvidos ao longo de milhões de anos de evolução. No entanto,
também comemos porque é “gostoso” saciar a fome, comemos para agradar a alguém, comemos para aguentar o chefe,
comemos até mesmo para lembrar algo bom que aconteceu, ou para anteceder algo bom que irá acontecer (um jantar
romântico, por exemplo).
Sem perceber começamos a pensar em linguagem comum, com cabeça de gordo, um café passa a ser acompanhado por uma
bomba, uma reunião tensa é antecedida por uma bolachinha, a espera de um telefonema importante fica mais agradável com
uma ou duas barras de cereais, repetimos um pouco mais porque o cozinheiro caprichou, uma pequena quantidade de comida,
nada que pareça ameaçar nosso corpo.
Mas não é bem assim, ao comer um pouco a mais no dia, podemos, ao longo de um ano, aumentar em vários quilos no nosso
peso, ainda mais se esse aumento for composto por alimentos ricos em gordura e açúcar, geralmente os mais gostosos.
Quando compensamos sistematicamente qualquer desconforto ou alteração em nosso dia-a-dia com uma quantidade de
comida (mesmo que pequena), estamos indo para um caminho perigoso. Primeiro porque isso inevitavelmente afetará o bom
funcionamento do organismo, uma vez que estamos ingerindo mais alimento do que precisamos e segundo porque estamos
bagunçando nossa vida.
Sim, quando começamos a evitar enfrentamentos com comida, compensar frustrações com comida, adiar problemas para
depois do brigadeiro, estamos pensando em função das sensações que a comida nos trás e não em função do que está
realmente acontecendo a nossa volta. Estamos pensando com cabeça de gordo.
Aos poucos podemos perder a dimensão das coisas, uma vez que estamos sempre sob o efeito prazeroso da ingestão de
comida. Problemas graves e imediatos passam a ser encarados com menos seriedade e presteza. Sensações desagradáveis são
constantemente suavizadas. E mais grave: começamos a preferir o prazer de comida em razão a outros prazeres, seja pela
facilidade de obtenção e o rápido resultado, seja pelo simples hábito. Quem já não pensou em substituir namoro por
chocolate?
A popular cabeça de gordo pode evoluir para transtornos alimentares mais graves, seja para controlar o peso, seja para
Rua General Venâncio Flores, 305 - Salas 605 e 606, Leblon - Rio de Janeiro - RJ. 22441-090 / Telefax: (21) 2259-5451 | 2512-2242 | 2512-4544
Alameda Lorena, 638 - Conj. 23 e 24, Jardim Paulista - São Paulo - SP. 01424-000 / Telefones: (11) 3663-4445 | 3662-3862 | 3052-3717
www.medicinadocomportamento.com.br
MEDICINA DO COMPORTAMENTO 2
manter a sensação prazerosa da comida através do aumento exagerado da quantidade desta. E, mesmo que não evolua,
pensar com cabeça de gordo inevitavelmente trás desconforto, seja pelo simples ganho de peso, seja por suas complicações,
que podem ser graves como a hipertensão ou diabetes.
A capacidade de misturarmos comida e afeto, comida e satisfação, desenvolvida ao longo da história humana, é uma grande
qualidade, mas também pode ser uma grande armadilha. Parear comer com outros comportamentos é muito comum em
nossas vidas, um almoço de negócios, por exemplo, mas parear a sensação de saciação da fome com o alívio de outras
sensações desagradáveis, pensar com cabeça de gordo, pode ser muito prejudicial, tanto a curto quanto a longo prazo.
______________________________________________
*Dr. Ricardo Pahl
Psicólogo formado pela PUC-SP. Psicodramatista pela Escola Paulista de Psicodrama. Pós-graduando no programa de
atendimento a obesos do Instituto de Psiquiatria da FMU-SP. Possui experiência no atendimento psicoterapêutico de psicóticos
graves, tendo trabalhado na coordenação dos projetos de inclusão terapêutica do Município de Embu das Artes em Convênio
com a PUC-SP. Psicólogo da clínica Medicina do Comportamento – SP, sob a direção da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva e Dr.
Diego Amadeu Batista Bragante.
Home: www.medicinadocomportamento.com.br
E-mail: saopaulo@medicinadocomportamento.com.br
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário