Snoopy e Charlie: 60 anos dos cabeções
Charlie e Snoopy não são almas gêmeas. Eles apenas se gostam muito, mas sem compromisso marcado
Meninos e cachorros formam boas parcerias, semelhantes que são em energia, descontrole, leseiras e total entrega. Mas um menino de nome Charlie Brown e um beagle de nome Snoopy resolveram transgredir. Montaram também uma dupla integrada, inseparável, imprescindível, mas nada a ver com a velha fórmula.
Sessenta anos se passaram desde que o cabeção Charlie Brown, naquele 2 de outubro de 1950, resolveu se abrir para o mundo. Resolveu desatar aos poucos aqueles nós, apertados e frouxos, no meio do peito, reconhecíveis a qualquer um, mesmo para quem disfarça bem.
Foi-se conhecendo Charlie. Foi-se vendo que ele não disfarça, nem mesmo se quisesse, o que lhe desassossega. Melancólico, esperançoso, deslocado, romântico, adepto do derrotismo crônico. Honesto sobretudo. Tudo é exposto, vivido, sofrido, abandonado ou guardado para mais tarde.
Seus dramas vão de um amor impossível, imaginário, descabido, a um piquenique que deu errado, do qual se sente responsável. O mais simples o atormenta, o banal lhe é complicado. Uma dia a dia de culpas e isolamento. Solidão daquelas de ilha, que nem um iPod dá fim. Pobre Charlie.
Sessenta anos também se passaram para o cabeçudo Snoopy desde que, naquele 4 de outubro de 1950, foi caminhar pela rua e apresentar aquele enorme focinho como bem mais que um mero farejador de odores.
Snoopy se sente e quer ser maior. Sofre por não caber na vida monótona, no que se espera de um cão comum. É volúvel, raivoso, depressivo, altivo e lírico.
É revoltado. Dorme no telhado da casinha. Quer ver as estrelas, sentir-se próximo a elas. Tem alteregos. É bípede. Imagina-se escritor, aviador, advogado. É inadequado.
Teria, pela convenção, de ser babão, servil, quadrúpede, alegre por pouca coisa, não questionador, devoto para com o dono, amoroso ao extremo, do típico fanático, do tipo canino.
Nada disso. Snoopy não é Scooby Do, menos ainda Pluto. Interroga, duvida, filosofa, analisa. Aponta erros, acertos, discorda, se altera, é pretencioso, arma barracos. Magoa, se magoa e se distancia. Tira conclusões próprias. Sabe o que quer, mas também acha que deveria querer algo diferente.
Até obedece a clichês de sua espécie como não gostar de gatos. Mas, ambicioso, aprofunda, viaja. Define gatos como “as ervas daninhas na relva da vida”. Grande Snoopy.
Ambos têm almas nada, nada pequenas. Concebidos pelo americano Charles Schulz como os dois lados da moeda, da nossa moeda, aquela que jogamos para o alto todo dia, mesmo não nos dando conta. O perdedor resignado e o viajante inquieto.
Charlie Brown traz fracassos, angústias caladas, inseguranças. O desapontamento de nunca ter recebido um cartão no Dia dos Namorados, de nunca ter empinado um papagaio direito, nunca ter vencido um jogo de beisebol.
Esforça-se para se adaptar ao real, deixar de ser introspectivo, superar rejeições. Pobre Charlie.
Sem Snoopy seria difícil para Charlie. É o amigo que chega, meio distante, olhando de longe, questionando, meio juiz, meio psicanalista, avaliando e dando nota.
Snoopy entra pesado mesmo sem sentir. É durão. Vem para entender, compreender e repreender. Ama dando um se ligue, para depois dar um beijo e amenizar o ardor. Revezando entre áspero e o macio, ouve Charlie confessar, se revelar e se martirizar. Às vezes, ajuda. Outras enche o saco, deixa para lá. Volta depois. Dá presente. Grande Snoopy.
Fossem iguais, modelos, não divertiriam, seriam entediantes, estancados naquela relação insossa, previsível e dispensável.
Ambos montam, com seus amigos Sally, Lucy, Schroeder, Linus, Patty Pimentinha, Marcie, Chiqueirinho e Woodstock, a pequena comédia do nosso cotidiano. Aquele cheio de existencialismo, frustração, sarcasmo e refinamento.
É! Todo dia temos doses de existencialismo, desvio e sarcasmo. Soa esquisito dito assim de supetão, acostumados que somos em fazer tudo sempre igual. Causa desconfiança.
Causaria também em Charlie Brown e em Snoopy. Mas tal desconfiança neles, ninguém duvide, só reforçaria a piada no final, aquela refinada, simples, espontânea e corriqueira, constatando o engraçado que é o óbvio despercebido.
Charlie e Snoopy não são almas gêmeas. Não no formato padronizado de par perfeito, de duas metades da laranja.
Eles apenas se gostam muito, mas sem compromisso marcado. Mesmo quando só se suportam, quando se ignoram por instantes, dão um jeito de se aproximar, meio que na displicência. Nem de longe pressupõem o desapego.
Sessenta anos se passaram desde que o cabeção Charlie Brown, naquele 2 de outubro de 1950, resolveu se abrir para o mundo. Resolveu desatar aos poucos aqueles nós, apertados e frouxos, no meio do peito, reconhecíveis a qualquer um, mesmo para quem disfarça bem.
Foi-se conhecendo Charlie. Foi-se vendo que ele não disfarça, nem mesmo se quisesse, o que lhe desassossega. Melancólico, esperançoso, deslocado, romântico, adepto do derrotismo crônico. Honesto sobretudo. Tudo é exposto, vivido, sofrido, abandonado ou guardado para mais tarde.
Seus dramas vão de um amor impossível, imaginário, descabido, a um piquenique que deu errado, do qual se sente responsável. O mais simples o atormenta, o banal lhe é complicado. Uma dia a dia de culpas e isolamento. Solidão daquelas de ilha, que nem um iPod dá fim. Pobre Charlie.
Sessenta anos também se passaram para o cabeçudo Snoopy desde que, naquele 4 de outubro de 1950, foi caminhar pela rua e apresentar aquele enorme focinho como bem mais que um mero farejador de odores.
Snoopy se sente e quer ser maior. Sofre por não caber na vida monótona, no que se espera de um cão comum. É volúvel, raivoso, depressivo, altivo e lírico.
É revoltado. Dorme no telhado da casinha. Quer ver as estrelas, sentir-se próximo a elas. Tem alteregos. É bípede. Imagina-se escritor, aviador, advogado. É inadequado.
Teria, pela convenção, de ser babão, servil, quadrúpede, alegre por pouca coisa, não questionador, devoto para com o dono, amoroso ao extremo, do típico fanático, do tipo canino.
Nada disso. Snoopy não é Scooby Do, menos ainda Pluto. Interroga, duvida, filosofa, analisa. Aponta erros, acertos, discorda, se altera, é pretencioso, arma barracos. Magoa, se magoa e se distancia. Tira conclusões próprias. Sabe o que quer, mas também acha que deveria querer algo diferente.
Até obedece a clichês de sua espécie como não gostar de gatos. Mas, ambicioso, aprofunda, viaja. Define gatos como “as ervas daninhas na relva da vida”. Grande Snoopy.
Ambos têm almas nada, nada pequenas. Concebidos pelo americano Charles Schulz como os dois lados da moeda, da nossa moeda, aquela que jogamos para o alto todo dia, mesmo não nos dando conta. O perdedor resignado e o viajante inquieto.
Charlie Brown traz fracassos, angústias caladas, inseguranças. O desapontamento de nunca ter recebido um cartão no Dia dos Namorados, de nunca ter empinado um papagaio direito, nunca ter vencido um jogo de beisebol.
Esforça-se para se adaptar ao real, deixar de ser introspectivo, superar rejeições. Pobre Charlie.
Sem Snoopy seria difícil para Charlie. É o amigo que chega, meio distante, olhando de longe, questionando, meio juiz, meio psicanalista, avaliando e dando nota.
Snoopy entra pesado mesmo sem sentir. É durão. Vem para entender, compreender e repreender. Ama dando um se ligue, para depois dar um beijo e amenizar o ardor. Revezando entre áspero e o macio, ouve Charlie confessar, se revelar e se martirizar. Às vezes, ajuda. Outras enche o saco, deixa para lá. Volta depois. Dá presente. Grande Snoopy.
Fossem iguais, modelos, não divertiriam, seriam entediantes, estancados naquela relação insossa, previsível e dispensável.
Ambos montam, com seus amigos Sally, Lucy, Schroeder, Linus, Patty Pimentinha, Marcie, Chiqueirinho e Woodstock, a pequena comédia do nosso cotidiano. Aquele cheio de existencialismo, frustração, sarcasmo e refinamento.
É! Todo dia temos doses de existencialismo, desvio e sarcasmo. Soa esquisito dito assim de supetão, acostumados que somos em fazer tudo sempre igual. Causa desconfiança.
Causaria também em Charlie Brown e em Snoopy. Mas tal desconfiança neles, ninguém duvide, só reforçaria a piada no final, aquela refinada, simples, espontânea e corriqueira, constatando o engraçado que é o óbvio despercebido.
Charlie e Snoopy não são almas gêmeas. Não no formato padronizado de par perfeito, de duas metades da laranja.
Eles apenas se gostam muito, mas sem compromisso marcado. Mesmo quando só se suportam, quando se ignoram por instantes, dão um jeito de se aproximar, meio que na displicência. Nem de longe pressupõem o desapego.
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