sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Darwin Matou Deus quando Criou a Teoria Evolucionista?
O aniversário de 200 anos de nascimento de Charles Darwin, cientista naturalista criador da teoria da evolução ou evolucionismo (a seleção natural) está sendo comemorado esse ano e juntamente com essa comemoração voltam à tona as polêmicas que giram em torno do conflito entre Darwin x criacionismo. Fica a pergunta - Darwin teria matado Deus, quando criou a teoria evolucionista?
O texto de Rodrigo Cavalcante,"Procura-se um Deus" - (Revista superiteressante), aborda esses questionamentos. Apesar de longo, o texto é sensacional, vale a pena ler!
Em pleno século 21, a humanidade continua tentando conciliar fé e razão. Mas será que algum dia a ciência terá condições de provar que foi mesmo Deus (ou alguma outra entidade superior) quem criou o Universo e determinou os rumos da evolução?
O zoólogo Richard Dawkins e o paleontólogo Simon Conway Morris têm muito em comum: lecionam nas mais prestigiadas universidades da Grã-Bretanha (Dawkins em Oxford e Morris em Cambridge) e compartilham opiniões e crenças científicas quando o tema é a origem da vida. Para ambos, a riqueza da biosfera na Terra é explicada mais do que satisfatoriamente pela teoria da seleção natural, de Charles Darwin. Os dois também concordam que, caso a história do nosso planeta pudesse ser reproduzida em outro lugar, a evolução provavelmente seguiria um rumo bem parecido ao observado por aqui, inclusive com o aparecimento de animais de sangue quente, como nós. Num encontro realizado na Universidade de Cambridge em outubro, porém, eles protagonizaram um novo round de um debate que divide a humanidade desde que o mundo é mundo: Deus existe? Morris, cristão convicto, afirmou na palestra promovida pela Fundação John Templeton (cuja missão é "explorar as fronteiras entre teologia e ciência") que a "misteriosa habilidade" da natureza para convergir em criaturas morais e adoráveis como os seres humanos é uma prova de que o processo evolutivo é obra de Deus. Já o agnóstico Dawkins disse que o poder criativo da evolução reforçou sua convicção de que vivemos num mundo puramente material. O debate entre Dawkins e Morris, como já foi dito, não é novo, longe disso. De um lado, é óbvio que sempre haverá bilhões de pessoas que acreditam em Deus. Ao mesmo tempo, dificilmente vamos viver para comprovar Sua existência (ou inexistência). Entender alguns laços que unem ciência e religião e mostrar como essa relação vem mudando ao longo dos tempos é o tema desta reportagem.
Durante muitos séculos, Deus (e só Ele) foi apresentado como o principal responsável pelo sucesso da aventura humana sobre o planeta – nas artes, nos livros, nas escolas e nas igrejas. Até que a ciência começou a mostrar que isso não era necessariamente verdade. Na década de 1860, a teoria da seleção natural e da evolução das espécies, de Charles Darwin, lançou as primeiras dúvidas consistentes acerca da influência divina sobre a ordem da vida na Terra. Com o passar dos anos, mais e mais pesquisadores passaram a defender que o destino da humanidade era abandonar gradativamente a fé e a religião em nome da crença em explicações "objetivas" para os fenômenos naturais. "No fim do século 19, os cientistas acreditavam estar muito próximos de uma descricão completa e definitiva do Universo", escreveu o físico britânico Stephen Hawking.
No século 20, Nietzsche, Marx, Freud, Sartre e outros chegaram a apostar na "morte" de Deus e no início de uma "era da razão". Não é preciso ser um especialista para saber que esse triunfo não se concretizou. Ao contrário. O que se observa hoje é uma revalorização da fé, inclusive entre os cientistas, como Simon Morris. "Ao longo da história, a relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço extremamente persistente", diz Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. "Nos regimes socialistas em que a religião era proibida as pessoas substituíam a fé por uma ideologia."
Cabe, então, à ciência provar a existência de Deus? O paleontólogo americano Stephen Jay Gould acredita que nenhuma teoria (nem mesmo a da evolução) pode ser vista como uma ameaça às crenças religiosas, "porque essas duas grandes ferramentas da compreensão humana trabalham de forma complementar, e não oposta: a ciência para explicar os fenômenos naturais e a religião como pilar dos valores éticos e da busca por um sentido espiritual para a vida". É por pensar assim que ele sempre se colocou do lado dos pesquisadores que são contra misturar ciência com religião.
Quem é Deus?
O cabelo e a barba grisalhos denunciam a idade, mas o corpo é forte e musculoso. Os traços da face transmitem a autoridade de quem não hesitará em agir sobre o mundo caso seja necessário. Para bilhões de ocidentais, a pintura de Michelangelo no teto da capela Sistina, no Vaticano, é a síntese perfeita de Iavé, o Deus bíblico, aquele que "criou tudo em 6 dias". Como diz o escritor americano e ex-jesuíta Jack Miles, autor de Deus, uma Biografia, mesmo quem não acredita continua moldando seu caráter por influência dessa imagem. Miles faz uma análise surpreendente da Bíblia, ao tratar de Deus como um personagem literário. O resultado é que, como protagonista do livro mais influente da história, Iavé revela uma personalidade que oscila bastante em relação à sua criação – como no momento em que ordena o dilúvio, para tentar "consertar" tudo.
Mas esse Deus é apenas uma entre inúmeras concepções de divindades. Não há sequer consenso em torno do número de deuses. Para mais de 750 milhões de hindus, existem centenas deles, como Brahma, Shiva e Krishna, para ficar nos mais conhecidos. Em rituais xamânicos de origem indígena, os deuses incorporam até em plantas e animais. E para mais de 350 milhões de seguidores do budismo, não há sequer uma divindade a cultuar – apenas Buda, um homem que atingiu a iluminação e virou guia espiritual. Como, então, a ciência pode encontrar Deus?
Apesar disso, os estudiosos sabem que há algo em comum entre essas crenças. Sem exceção, elas acreditam que há uma ordem, uma espécie de propósito (ou, se você preferir, sentido) no Universo. Nenhuma religião trabalha com o pressuposto de que o acaso e a indiferença regem as nossas vidas. Curiosamente, foi a busca por essa ordem que acabou impulsionando o avanço da própria ciência.
Da geometria ao acaso
No século 18, a maioria dos filósofos e cientistas acreditava piamente que a humanidade estava prestes a decifrar (integral e definitivamente) a ordem do Cosmos. Na época, havia motivos de sobra para tamanho otimismo: fazia mais de 100 anos que Isaac Newton publicara Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, considerada até hoje a obra mais importante da história da física. Nela, Newton não apenas descreveu como os corpos se deslocam no espaço e no tempo, mas desenvolveu a complexa matemática necessária para analisar esses movimentos. Segundo essa teoria, as leis do Universo eram estáveis e previsíveis, como se tivessem sido projetadas por um craque da geometria. Em 1794, o escritor, poeta e artista plástico inglês William Blake resumiu essa idéia ao desenhar Deus (um velho barbudo, como o de Michelangelo) criando o mundo com um compasso na mão. "A metáfora do Deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um Universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem, mas continua influenciando a ciência até hoje", diz o brasileiro Marcelo Gleiser, autor de O Fim da Terra e do Céu e professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.
A imagem de Deus, nesse sentido, era perfeitamente compatível com a visão científica do mundo da época. Os problemas só surgiam quando alguém tentava juntar as mais recentes descobertas da ciência com a história bíblica da Criação. Afinal, o estudo das camadas geológicas que formaram a Terra já provava que nosso planeta tinha milhões de anos – e não 5 mil, de acordo com os cálculos de Santo Agostinho. Mas bastava esquecer "detalhes" como esse para que todos fossem dormir felizes, conscientes de que o Universo tinha sido mesmo obra do Criador. Até que...
Se havia uma ordem no Universo, nada mais natural que ela comandasse todas as forças da natureza. E o homem, é claro, era visto como o exemplo máximo da perfeição da vida sobre a Terra. Mas Charles Darwin apresentou sua teoria sobre a seleção natural das espécies e colocou em xeque a idéia de que Deus era o responsável por tudo isso que está aí. Vale lembrar que Darwin nunca disse que o homem descendia dos macacos – apenas que homens e macacos eram parentes evolutivos com um ancestral comum (os paleantropólogos estimam, hoje, que esse "tataravô" viveu em algum momento entre 4 milhões e 6 milhões de anos atrás). Ainda assim, muita gente não aceitou a idéia de que as espécies vivas, incluindo a nossa, possam ter se desenvolvido graças apenas à seleção natural, tendo evoluído quase por acaso em meio a tantas outras espécies. O fato é que o estudo da história da vida em nosso planeta comprovou que, durante milhões de anos, outras espécies reinaram por aqui sem que houvesse nenhuma necessidade da existência dos homens. Como bem resume o cientista americano Carl Sagan no seriado de televisão Cosmos, recentemente relançado em DVD pela super, se a história do Universo fosse condensada em apenas um ano, o aparecimento da espécie humana teria ocorrido nos últimos instantes do dia 31 de dezembro.
E o avanço da física deixou claro que, se o Universo fosse um relógio, nem sequer o tempo marcado por ele seria preciso. Em 1905, Albert Einstein publicou seu estudo da Teoria da Relatividade que, resumidamente, pôs fim à idéia de tempo absoluto. A estabilidade perfeita das leis de Newton começou a se despedaçar para sempre. Logo em seguida, o estudo da mecânica quântica revelou que não é possível sequer prever a posição exata de partículas subatômicas, obrigando os cientistas a se contentar em trabalhar com probabilidades. Apesar de ter ajudado a destruir a velha noção de ordem no espaço e no tempo, Einstein acreditava cegamente que a natureza funcionava (ou deveria funcionar) segundo regras bem definidas – e não de maneira aleatória, como num grande jogo de azar. Numa carta para o físico Max Born, Einstein escreveu: "Você crê em um Deus que joga dados e eu, na lei e na ordem absolutas." Se para um cientista como Albert Einstein não era fácil lidar com o acaso e o caos, imagine para os que acreditam na religião.
Do ponto de vista da física pura, porém, é importante ressaltar que todo esse papo de criação do Universo tem pouca (ou nenhuma) importância. Não fosse pela descoberta da teoria do big-bang (segundo a qual ele surgiu após uma grande explosão), nem sequer haveria a necessidade de provar que houve uma "hora zero", afinal o tempo e o espaço são mesmo relativos, não é mesmo? Curiosamente, o big-bang passou a ser considerado por muitos fiéis a "evidência científica" de que a Bíblia está certa ao descrever o "início de tudo". Talvez para tentar explicar a incompatibilidade existente entre a física das partículas subatômicas e a Teoria da Relatividade, muitos pesquisadores têm discutido atualmente a chamada Teoria das Supercordas, que propõe uma explicação unificada capaz de preencher essas lacunas. "De qualquer maneira, essa tese é mais um desejo de encontrar uma ordem do que algo validado cientificamente", diz o físico Marcelo Gleiser.
E se a ciência conseguisse achar essa tal ordem no Universo, será que isso seria a prova da existência de Deus? Ou será que a busca pelo divino não passa de uma necessidade inventada pelo homem para colocar um sentido em tudo (afinal, até onde se sabe, somos os únicos animais que tentam entender por que existe a morte)? Nas últimas décadas, o que se tem visto é um acirramento das diferenças entre aqueles que acreditam que a complexidade da vida só pode ser explicada por uma inteligência superior e aqueles que defendem que a inclinação para acreditar em Deus é apenas um traço biológico da nossa espécie, ou seja, somos programados para ter fé. É o que veremos nas próximas páginas.
Deus vai à escola
Dover, no estado americano da Pensilvânia, é uma daquelas cidades tão pequenas que mal dá para avistar seu núcleo urbano da altura média de vôo de um jato comercial. A pacata vida de seus 1814 habitantes, a maioria descendente de alemães, quase nunca foi notícia nos grandes jornais dos EUA. Tudo mudou no dia 18 de outubro deste ano, quando teve início o julgamento sobre a grade curricular de uma escola pública local que decidiu dedicar parte das aulas de biologia ao estudo de uma teoria conhecida em inglês como intelligent design (algo como projeto ou desenho inteligente, numa tradução livre para o português). Seu principal cartão de visita é o fato de se contrapor à tese de Darwin sobre a seleção natural e a evolução das espécies. Como a Constituição americana garante a total separação entre a Igreja e o Estado, alguns pais acharam que a direção do colégio estava muito perto de misturar ciência e religião, apelaram para a intervenção da Justiça e o debate pegou fogo no país.
Nas salas de aula em questão, as crianças e jovens aprendem que várias tarefas altamente especializadas e complexas do organismo humano – como a visão, o transporte celular e a coagulação, entre outras – só podem ser explicadas pela ação de uma força maior ou, em outras palavras, pela intervenção de um ser superior, capaz de bolar o tal desenho inteligente do nosso corpo e da nossa mente. Para a maioria dos biólogos do planeta, contudo, essa tal inteligência não passa de um novo nome para um velho conceito: o criacionismo bíblico, segundo o qual estamos na Terra apenas porque saímos da prancheta (ou da imaginação) divina para nos reproduzir "à Sua imagem e semelhança".
Se, como já foi dito no início do texto, há muitos cientistas que não vêem motivos para buscar as impressões digitais de Deus na história do Universo, outros tantos acreditam que as teses de Darwin têm falhas e, como tal, precisam ser ensinadas nas escolas "em toda sua amplitude", ou seja, alertando os alunos para o fato de que há controvérsias a respeito das descobertas que o jovem naturalista inglês fez a bordo do navio Beagle. Os defensores do desenho inteligente juram que não têm nenhuma ligação com os criacionistas do século 19, que difundiam uma interpretação literal do Gênese para conter a rápida e eficaz disseminação das teorias darwinistas – apesar das críticas da maior parte dos colegas da comunidade científica.
"Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé", disse à Super o bioquímico Michael J. Behe, pouco depois de depor no julgamento em defesa da "nova tese". Professor da Universidade de Lehigh, na Pensilvânia, e autor do livro A Caixa-Preta de Darwin, ele diz que, se toda formulação científica compatível com uma crença religiosa tivesse de ser descartada automaticamente pelos pesquisadores, os astrônomos jamais poderiam aceitar os estudos sobre o big-bang. "Estou apenas defendendo o direito dos estudantes de terem acesso a outras idéias sobre a criação do Universo", afirmou Behe.
A discussão em torno do ensino de ciências – inclusive com a interferência do Poder Judiciário – não é nenhuma novidade nos EUA. No início dos anos 20, muitos estados americanos simplesmente proibiram os alunos de ter aulas sobre as teorias evolutivas de Darwin. Em 1925, teve início um julgamento que, num primeiro momento, levou à condenação de um professor do ensino médio do Tennessee simplesmente porque ele acreditava que somos parentes dos macacos (e dizia isso em classe). Após sucessivos recursos de ambos os lados, o processo só terminou em 1968, quando a Suprema Corte decidiu que qualquer iniciativa no sentido de definir o currículo escolar com base em crenças religiosas era inconstitucional.
É por isso que tantos vêem o desenho inteligente como uma espécie de cortina de fumaça para colocar Deus de volta nas salas de aula? Será que, do ponto de vista científico, o desenho inteligente tem consistência? "Por enquanto, não", afirma Vera Volferini, professora de genética e evolução da Unicamp. Segundo a bióloga, não existem ainda argumentos científicos que sejam tranqüilamente aceitos pela maioria dos pesquisadores. "Teorias como essa presumem que o ser humano é o resultado de um projeto perfeito, o que não é verdade. É consenso entre os especialistas que o design humano, apesar de eficiente, está longe de ser inatacável biologicamente. A próstata do homem, para ficar em apenas um exemplo, não segue um desenho anatômico ideal", diz ela. E é justamente essa falha na concepção que provoca muitos problemas que afetam boa parte dos machos da espécie. Além disso, por que não poderíamos ter mais de 5 dedos em cada mão? Vera explica que, ao menos do ponto de vista biológico, temos esse número de dedos não porque seria um problema ter um ou dois a mais, mas porque fazemos parte de uma espécie cujo ancestral, há milhões de anos, tinha (por acaso) 5 dedos.
No Brasil, a teoria criacionista já desembarcou também – nos colégios públicos do Rio de Janeiro e, por enquanto apenas nas aulas de religião (em 2002, um lei proposta pelo governador Anthony Garotinho incluiu a disciplina "religião confessional" no currículo escolar). A presbiteriana Rosinha Matheus (mulher de Garotinho), na época governadora, afirmou ao jornal O Globo que não acredita nas teses darwinianas. Apesar de o assunto não ser tratado nas aulas de biologia por aqui, o tema vem preocupando entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que já se manifestou contra a disseminação do criacionismo nas escolas fluminenses. "O problema não é ter ou não uma crença pessoal", diz Marcelo Menossi, professor de genética molecular da Unicamp. "O problema é tentar justificar e espalhar essa crença usando falsos argumentos científicos."
Genética da religião
Nos anos 60, a britânica Jane Goodall afirmou que algumas espécies podem ter a religiosidade gravada nos próprios genes. A pesquisadora ficou famosa ao estudar o comportamento de chimpanzés na Tanzânia. Numa de suas numerosas observações, descobriu que os macacos agiam de maneira nada usual diante de uma cachoeira, demonstrando o que ela batizou de senso místico e de reverência. "Alguns permaneciam sentados numa rocha em frente à queda d’água, como se estivessem encantados. Outros ficavam sob a queda d’água por mais de 50 minutos, quando normalmente nem gostavam de se molhar." Goodall concluiu que esse comportamento é um traço de religiosidade primitiva. E nós? Será que também nós humanos fomos "programados" para acreditar em Deus?
Para o biólogo Edward O. Wilson, um dos pioneiros da sociobiologia (ciência que se dedica a compreender o comportamento humano por meio da biologia), a predisposição para a religião é mesmo resultado da evolução genética do cérebro. Segundo ele, nossa inclinação para acreditar num ser superior pode ser resultado da submissão animal. Ele conta que entre macacos rhesus o macho dominante caminha com a cauda e a cabeça erguidas, enquanto os dominados mantêm a cabeça e a cauda baixas, em sinal de respeito ao líder – em troca, eles têm proteção contra os inimigos e acesso a abrigo e alimento. Segundo Wilson, a tendência de se submeter a um ser superior é herança dessas ações. "O dilema humano é que evoluímos geneticamente para acreditar em Deus, não para acreditar na biologia."
Essa seria uma das razões pelas quais Deus é sempre invocado quando precisamos lidar com temas etéreos (e muitas vezes polêmicos, como a bondade, a solidariedade etc.). "Afinal, se Deus for apenas uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre ética, certo e errado ou qualquer outra questão moral", diz o britânico Richard Dawkins.
O radiologista Andrew Newberg e o psiquiatra Eugene D’Aquili (que morreu há 9 anos) resolveram buscar diretamente no cérebro a origem da experiência religiosa. Utilizando aparelhos de tomografia, eles revelaram as áreas mais ativadas pela meditação em 8 budistas e em um grupo de freiras franciscanas. A pesquisa, cujos resultados foram publicados no livro Why God Won’t Go Away ("Por que Deus não Vai Embora", sem tradução no Brasil), mostrou que durante as orações havia uma diminuição da atividade no lobo parietal superior, a área do cérebro responsável pela nossa orientação de tempo e espaço, pela sensação de separação entre o corpo e o indivíduo e pela delimitação entre o "eu" e os "outros". Ou seja, ao meditar criamos um bloqueio que provoca a sensação de unicidade típica do êxtase religioso.
Além disso, várias outras pesquisas comprovam que ter fé, independentemente de acreditar em um ou mais deuses, faz bem para o corpo e a mente, pois melhora as condições de saúde e aumenta a sensação de felicidade. A ciência ainda não conseguiu explicar se Deus criou o nosso cérebro com essa habilidade ou se foi a evolução que fez o cérebro criar esse portal para Deus. Mas nesta nova era de espiritualidade talvez isso não seja tão importante assim. O que conforta muita gente é acreditar que é possível melhorar o mundo pela fé.
"A relação do homem com o sagrado tem se mostrado um traço persistente."
Oswaldo Giacoia Júnior, professor de história da filosofia moderna e contemporânea da Unicamp.
"A metáfora do deus geômetra deriva da velha idéia platônica de um universo dualista, em que há a necessidade de existir uma ordem superior, mas continua influenciando a ciência até hoje."
Marcelo Gleiser, professor de física e astronomia da Faculdade de Dartmouth, nos EUA.
"Uma coisa é você tentar justificar uma fé usando argumentos científicos, outra é você descobrir uma teoria científica que pode ser compatível com a fé."
Michael J. Behe, bioquímico e um dos principais defensores da tese do "desenho inteligente".
"Se Deus for só uma constante física, é óbvio que ele não terá nada a dizer sobre o que é certo ou errado em questões morais."
Richard Dawkins, zoólogo e professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Para muitos pesquisadores, o que distingue a ciência de outras visões de mundo é exatamente sua recusa em aceitar cegamente qualquer informação e sua determinação de submeter qualquer tese a testes constantes até que novos dados possam confirmá-la ou refutá-la. Essa visão baseia-se, entre outras coisas, na obra do filósofo vienense Karl Popper, que morreu em 1994. Segundo Popper, a ciência só pode tratar de temas que resistam ao que ele chamou de "critério de falseabilidade". Resumidamente, o papel do verdadeiro cientista é buscar, com persistência, erros em sua teoria – em vez de tentar achar dados que provem sua correção. Quanto mais genérica e exposta a falhas (ou seja, quanto mais "falseável"), menos provável ela é. Por outro lado, quanto mais resistente (menos falseável), maiores as chances de acerto, pelo menos até o próximo teste. É por isso que um grande número de estudiosos argumenta que não é papel da ciência provar a existência de Deus. "Não faz sentido alguém afirmar que, ao descobrir um mistério do Universo, está ajudando a decifrar a mente divina", diz o zoólogo britânco Richard Dawkins. Apesar disso, ele reconhece que é fascinante encantar-se diante dos mistérios da natureza – e das limitações científicas para explicá-los. Esse sentimento foi batizado pelo físico brasileiro Marcelo Gleiser de "misticismo racional". Em outras palavras, é uma espécie de declaração de amor pelos fenômenos naturais, que se concretiza por meio da pesquisa científica. Segundo ele, há um paradoxo por trás da incansável busca por uma ordem e um sentido no Cosmos. "Como o homem é o único ser capaz de amar, tem uma imensa dificuldade em aceitar que o Universo pode ser totalmente indiferente a ele", afirma.
"Se Deus não existe, tudo é permitido." A frase, que ficou célebre no livro Os Irmãos Karamazov, do russo Fiodor Dostoievski, resume uma das questões mais cruciais do mundo moderno: sem uma referência divina, passaríamos a viver numa espécie de vale-tudo moral? "Não necessariamente", diz o filósofo Oswaldo Giacoia Júnior, da Unicamp. "A busca de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem necessidade de uma legitimação divina." No século 18, por exemplo, os ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética, surgiram de formulações dos filósofos iluministas – que acreditavam ser possível defendê-los com base na razão, não na religião (na época, esse tema não era nada popular no Vaticano). Em meados do século 20, o francês Jean Paul Sartre, o pai do existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da existência para além da vida humana –, disse que a nossa própria condição de seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série de condutas éticas baseadas na razão, não na fé. Mas será que a adoção pura e simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade? "A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia ao longo dos tempos", lembra Giacoia. "Dos grandes conflitos religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo."
Deus, uma Biografia - Jack Miles, Companhia das Letras, 2002
Desvendando o Arco-Íris - Richard Dawkins, Companhia das Letras, 2000
Consiliência - Edward O. Wilson, Editora Campus, 1999
O Romance da Ciência - Carl Sagan, Francisco Alves, 1982
Why God Won´t Go Away - Andrew Newberg e Eugene D'Aquili, Ballantine Books, 2002
A Caixa-Preta de Darwin - Michael Behe, Jorge Zahar Editor, 1997
Fonte: Procura-se um Deus - Super Abril
Poderá também gostar de:
Lendas da Amazônia
O Que Eles Disseram Em 2008
Cultive a Inteligência - Quem são seus Heróis de Verdade?
LinkWithin
postado por Beth Cruz às 02:51
11 comentários:
Arthurius Maximus disse...
Ótimo artigo. As teorias de Darwin se mostraram corretas até hoje. Os criacionistas querem vender uma utopia irreal.
13 de fevereiro de 2009 18:06
JIME disse...
Darwin criou uma nova fronteira na ciência, ao determinar que as questões naturais precisam ser compreendidas por meio de processos da natureza. Isso faz uma diferença enorme, dissocia a ciência do pensamento religioso. Antes as perguntas terminavam em respostas sobrenaturais.
15 de fevereiro de 2009 21:22
Anônimo disse...
este cidadão só quis provar que Deus não existe.Tem maluco pra tudo e eu sou un deles, desde quando ouvi essa lorota de evolução estou esperando um verme virar animal ou uma arvore, quem sabe um macaco virar homem. Embora o macaco não aprendeu matar mas o homem mata sem precisar aprender. será que Darwin incluiu isso em sua teoria?
18 de fevereiro de 2009 06:20
McNeryb disse...
Eu concordo plenamente com vc "anônimo", Até hoje teria que se encontrar fósseis ou até mesmo "vivos" seres mutantes com parte de sua "IDIOTA EVOLUÇÃO", ou seja alguém ou "algo" com parte humana ou animal e vice-versa,e isso até hoje nos seus "milhões ou bilhões de anos de "evolução", e se assim fosse teria sido melhor ficar como animal , como vc disse eles não são "irracionais" como nós pois não odeiam nem tem motivos pra fazê-lo a seus semelhantes o mesmo que fazemos a outros e a nós mesmos. Como dizem os evolucionistas " é melhor crer no evolucionismo, que ter ter alguém pra prestar contas de suas más versações". Tenho dito . McNeryb.
18 de fevereiro de 2009 09:54
Jardola disse...
bem na verdade darwin jamais quis matar Deus, alem disso grandes cientistas, filosofos, entre outros, acreditam em Deus como principio do surgimento das coisas, as unicas coisas que eles tentam revelar é quem nem tudo é feito por Deus, eles utilizavam a ciência para provar acontecimentos, a evolução etc...
exatamente como a igreja católica efetua ao encontrar um suposto milagre, eles utilizam varios experimentos cientificos para provar se o acontecimento é uma prova da existencia de Deus, uma obra da natureza, ou simplismente uma farça!!!
18 de fevereiro de 2009 21:26
Pedro Lucio disse...
o homem tem a iminente nescessidade de acreditar em algo.afinal, ser filho do caos ou do acaso é muito triste pra quem ja reclama desde de pequeno a falta da mãe ou do pai.um raciocinio a considerar:"ou não somos livres e o responsável por todo mal é deus todo-poderoso, ou somos livres e responsáveis,mas deus não é todo-poderoso".Bom, eu prefiro acreditar que deus não exista,e voltarmos a fé pra nós mesmos,do que acreditar que ele é o responsavel por toda a maldade existênte,e não nós mesmos.Não condeno aqui as religiões teístas, pois a materialidade nunca trouxe pra alguem o reconforto que as promessas religiosas trazem.A dor da perda de um ente querido ou os momentos de pleno desespero, jamais serão suprimíveis com uma teoria cientifica ou um estudo analitico.Há que se reconhecer seu valor no mundo.No entanto, se há uma existência real de deus ou misticismos afins já é outra historia...
18 de fevereiro de 2009 23:52
julinho disse...
sinto pena de vcs em dizer que deus não exista, mais cada um tem sua opinião da vida de como surgiu o mundo, mas ai eu pergunto a vcs: quando vcs acordam e ha um dia lindo, o sol radiante, passaros cantando e muitas outras outras coisas boas, vcs acham que uma explosão poderia criar algo tao belo e maravilhoso?
26 de março de 2009 14:31
Anônimo disse...
Eu confesso que tenho muita pena de Darwin ,mas sinto muito por vcs também,de terem coragem de tecerem comentários tão absurdos a cerca da criação eu me sinto um privilegiado por ser criatura do Deus vivo.
31 de março de 2009 09:25
Esdras disse...
Voces acredetam nesta"teoria", que nem mesmo o seu inventor, Darwin, acreditou totalmente. ele observou os animais e viu semlhanças neles e pensou o que nimguem ates tinha dito e ficou famoso. ele nao sabia responder questoes(nem seus discipulos hj) como a do olho humano, que e mais complexo que as mais avançadas camaras digitais, sem saber explicar pq uma cornea ficaria milhares de anos esperando uma iris se formar sem utilidade nenhuma.
E ainda existem provas contundentes de seu real arrependimento, pois em seu leito de morte pediu que fosse feita uma missa.
Ele nao matou Deus, sei disto pq Deus vem agindo de muitas maneiras, em minha vida e na vida de muitas pessoas que o buscam, ate mesmo de maneiras mais simples e quando nao esperamos.
Amigos nao falem daquilo que vcs nao experimentaram realmente. Busquem conhecer a Deus, com com coraçao e mente abertos, atravez do estudo de sua palavra e da oraçao sincera e terao mais Esperança na vida que Ele nos promete, do que na perspectiva de um mundo decaido que se aproxima do seu fim, como diz no filme "uma verdade inconviniente"(feito atrvez de pesquisas cientificas).
"Deus eh Deus de tudo, ate mesmo Deus da Ciencia"
25 de agosto de 2009 01:15
Anônimo disse...
Darwin, criacionismo, criativismo.
Prefiro pensar em Darwin como o homem que libertou a humanidade da religião e digo religião, não da religiosidade, por que isso acredito que nos deve acompanhar sempre.
26 de agosto de 2009 16:16
matheus disse...
Darwin um homem ateu,que quis brincar de Deus.Provavelmente não fez o dever de casa dele e ignorou a palavra da biblia,fazendo assim a divulgação dessa teoria.Para fim de conversa "DEUS É A IMAGEM E SEMELHAÇA DE TODOS" .Não é um macaco cheio de pelos e cerébro pequeno q possa ser minha semelhança..
5 de setembro de 2009 19:39
Postar um comentário
Links para esta postagem
Criar um link
Postagem mais recente Postagem mais antiga Início
Blog Widget by LinkWithin
Gadgets powered by Google
Páginas
* Parcerias - Política de Parceria
* Selos Recebidos
Subscribe in a reader
Enter your email address:
Delivered by FeedBurner
Check PageRank
Arquivo do blog
Bico do Corvo
powered by
Adicionar aos Favoritos BlogBlogs Add to Technorati Favorites
Quem sou eu
Minha foto
Beth Cruz
Rio de Janeiro, Brazil
Visualizar meu perfil completo
bethccruz
Twitter Badges
Seguidores
GoLedy.com Arts blogs Hihera.com Directory of Art Blogs BlogRankers.com Arte e Cultura Arts Top Blogs Estou no blog.com.pt - comunidade de bloggers em língua portuguesa THE BOBs
Total News - Noticias
Link-Me
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
sábado, 23 de janeiro de 2010
A GRANDE TEIA DA VIDA
A Filosofia da Mente
Consciências e direitos: como a Filosofia cuida e reflete sobre o direito dos animais
João de Fernandes Teixeira
João de Fernandes Teixeira
é Ph.D. pela University of Essex (Inglaterra) e se pós-doutorou com Daniel Dennett nos Estados Unidos. É professor titular na Universidade Federal de São Carlos.
www.filosofiadamente.org
A questão do direito dos animais insere-se no contexto amplo da Filosofia da Mente, na qual se discute a questão da cognição animal. Nossos critérios para atribuição de direitos aos animais são predominantemente cognitivos, isto é, baseiam-se no fato de eles possuírem ou não uma mente e uma consciência. Na nossa tradição, passa-se a ter direitos quando nos tornamos pessoas e para isso é necessário ter consciência.
Damos tanta importância ao fato de termos uma consciência que até nosso critério de vida e de morte baseia-se na ideia de morte cerebral. Estamos mortos quando o cérebro não funciona mais, quando não há mais nenhum sinal neural que poderia ser indício de uma consciência.
Pessoas são consciências. E só pessoas podem ter direitos. É por isso que, dessa perspectiva, problemas como o aborto tornam-se questões legais, morais e até bioéticas. Serão os fetos pessoas? Será que podemos considerá-los como portadores de direitos por serem potencialmente conscientes? Ou será que, da mesma maneira que definimos morte por critérios cerebrais, poderíamos abortá-los pelo fato de neles não haver nada que denote a existência de uma consciência?
A questão é saber se esse critério baseado na consciência – que demarca vida e morte, pessoas e fetos, e que demarcaria também pessoas e animais – é correto e seguro. Penso que o uso seguro desse critério implica em estarmos de posse de uma solução para o problema filosófico das outras mentes. Esse tem sido um dos problemas mais difíceis da Filosofia da Mente: como posso saber se alguém, além de mim, tem uma mente semelhante à minha? Como posso saber se um robô, que se comporta igual a mim, tem uma mente? Precisamos saber se é possível atribuir mente e consciência a outros, ou seja, saber se eles as têm para poder considerá- los pessoas; e, num passo seguinte, atribuir-lhes direitos. No caso do direito dos animais, ocorre o inverso: precisamos demonstrar que eles não têm uma mente e uma consciência se quisermos negá-los.
Shutterstock
O curioso é que o problema das outras mentes não está resolvido, mas, certamente, não podemos depender de sua solução para atribuirmos consciência a outros seres. Resolver primeiro o problema das outras mentes para atribuir consciência com segurança e daí derivar direitos parece ser um percurso impossível. Nesse caso, o critério da consciência torna-se inverificável. Nunca terei certeza se alguém mais além de mim tem consciência.
Na verdade, nunca pensamos em utilizar o critério da consciência para atribuir direitos a outros seres humanos. E, por isso, não deveríamos aplicá-lo tampouco aos animais. Nossa percepção dos direitos do outro não nos é dada de forma cognitiva. É por isso que não conseguimos desligar os tubos de uma pessoa em coma no hospital, embora saibamos que ela não tem nenhuma chance de sobreviver. Nossa dúvida moral persiste, apesar do fato de sabermos que ali já não há mais consciência. Essa persistência se deve ao fato de que nossa interação originária com o outro é predominantemente moral e não cognitiva. É por isso que só o conhecimento da inexistência de uma consciência da pessoa em coma não nos deixa confortáveis para negar-lhe o direito à vida, mesmo ela estando em estado vegetativo.
No caso dos animais essa interação se dá através de nossa comunicação emocional com eles, algo básico que não parece em nada se assemelhar a uma atribuição teórica de consciência. Os critérios moral e emocional precedem o critério cognitivo de atribuição de consciência. E esses critérios deveriam também prevalecer na discussão dos direitos dos animais. Critérios cognitivos, como o da consciência, que historicamente aparecem na Religião, na Filosofia e na Bioética tampouco deveriam ser utilizados nessa discussão.
Não é fazendo uma defesa da existência de uma consciência animal semelhante a nossa que resgataremos os direitos dessas criaturas. Pouco importa se eles são estúpidos ou não. Provavelmente, eles têm uma consciência muito diferente da nossa. Tomar a consciência humana como padrão universal de mente tem resultado num processo de antropomorfização dos animais, que cada vez mais vemos ocorrer nas nossas sociedades, nas quais cães já têm até capas de chuva.
As bases teóricas da exclusão dos animais do mundo humano na época moderna remontam a Descartes, para quem havia uma descontinuidade intransponível entre mundo humano e mundo animal. Para ele, os animais eram máquinas biológicas, seres mecânicos sem consciência. O imaginário cartesiano perdura inconscientemente, ou ideologicamente, até hoje. Esse senso comum cartesiano continua a legitimar que comamos carne, que se realizem experimentos com animais e até mesmo que possamos tratá-los impiedosamente sem expectativa de punição e nem sequer arrependimento.
Mas terá sido Descartes mais uma vez o grande vilão? Se vasculharmos seus textos verificaremos que não há uma linha sequer, na sua obra, que atente contra o direito dos animais. Seu adversário, Montaigne, não se preocupou com o funcionamento dos animais, mas nunca justificou sua crítica ao especiocentrismo, limitando-se ao discurso retórico.
Na Idade Média, animais domésticos eram julgados por seus crimes. Um cão que mordesse seu dono poderia ser levado a um tribunal e ser condenado à forca. Isso era um claro sinal de que naquela época se atribuía consciência aos animais e de que eles deveriam ter responsabilidades e direitos.
Isso seria, hoje em dia, uma caricatura dos direitos dos animais.
Mas nos países desenvolvidos, restringe- se cada vez mais a vivissecção, a experimentação irrestrita com animais, e cada vez mais se difunde o veganismo. O abate em larga escala deverá desaparecer nas próximas décadas, quando as técnicas de clonagem forem aperfeiçoadas e barateadas. A partir de uma única matriz serão reproduzidas somente as partes de animais. Haverá bife para todos e algumas de nossas dificuldades morais em relação aos animais desaparecerão.
Mas o barateamento da clonagem ainda demorará muito. Essa será uma grande dificuldade para o terceiro mundo onde ainda se justifica o descuido e maus-tratos de animais por uma suposta prioridade de resgatar os humanos, como se não fossemos todos parte do mesmo ecossistema.
O GRANDE SEGREDO
Filosofia versus O segredo da humanidade
A contraposição da abordagem filosófica às idéias do livro O segredo, que sugere uma verdade sobre como o homem deve agir
POR IVO JOSÉ TRICHES
SHUTERSTOCK
Inicialmente, poderíamos nos questionar: mas afinal o que é a Metafísica? Qual a relação que há entre o que escreveu Rhonda Byrne em seu livro O segredo e a Metafísica, como uma forma de pensar própria da Filosofia?
Do ponto de vista etimológico, esse conceito não oferece grande dificuldade de compreensão. Com os conceitos Metà tà Phiysiká, Andrônico de Rodes1 quis referir-se aos livros de Aristóteles, que vêm depois da Física.
Desse modo, podemos dizer que a Metafísica é o estudo daquilo que vai além da Física. Aristóteles a chamou de Filosofia Primeira, porque, como nos diz Nicola Abbagnano, no seu Dicionário de Filosofia, ela é "a ciência primeira, isto é, a ciência que tem como objeto próprio o objeto comum de todas as outras e como princípio próprio um princípio que condiciona a validade de todos os outros".
Essa tese se sustenta na seguinte proposição: a Metafísica tem por finalidade o estudo das causas primeiras e a busca de uma verdade que seja necessária e universal - no sentido de saber se é possível existirem coisas que foram, são e serão assim; e, ainda, que não podem ser de outro modo. Por exemplo: o princípio da não-contradição de Aristóteles2 não deixa de ser uma forma de pensar própria da Filosofia.
E por quê? Porque, ao longo da tradição filosófica ocidental, várias foram as contribuições acerca deste tema - a verdade -, com afirmações bem diferentes uma das outras. Isso ocorreu à medida que um filósofo ia sucedendo o outro.
Na Filosofia, as coisas funcionam mais ou menos assim: o filósofo que surge acrescenta algo ao que já existe. É por isso que novas verdades vão surgindo, suplantando muitas que pareciam intocáveis.
Assim, podemos dizer que, observando as diferentes definições de Metafísica e as finalidades a que ela deveria se ocupar, nós não encontraremos, nos discursos dos mais diferentes filósofos que refletiram sobre ela, uma postura que remeta à expressão: Pense isso. Porque a Filosofia é, antes de tudo, um Pense nisso e não um Pense isso.
Pelos ditames da "Lei da Atração", invocada no livro de Rhonda Byrne, os pensamentos têm o poder de atrair para o indivíduo aquilo em que ele se concentrar, tanto para o lado bom como para o ruim
A Filosofia é um conhecimento aberto. Assim, podemos dizer que ela é movimento. É a procura amorosa da verdade, nunca a sua posse definitiva. Por isso, ela nasceu já acompanhada da humildade3. Conta-se que as pessoas se dirigiam a Pitágoras dizendo: "Você é um sophos (sábio)! Você realmente sabe muito!" E ele teria dito: "Eu não sou um sophos, sou apenas um filósofo!". Em outras palavras, ele não se julgava o portador da verdade, mas, ao contrário, dizia que estava sempre buscando chegar mais próximo dela (olho). Sobre isso também aprendemos com Sócrates, que, parafraseando Pitágoras, teria dito: "Sei que nada sei". Frase esta que sempre é lembrada por muitos de nós. Por isso, dizemos que foi Pitágoras quem, pela primeira vez, teria utilizado esse conceito na Filosofia.
Ao ler O segredo, descobrimos um livro pautado numa tese fundamental, qual seja, na idéia do Pense isso e não no Pense nisso. Caracterizando-se, portanto, como sendo um conteúdo altamente ideológico, no sentido marxiano4 e gramsciano5 do conceito.
1 Pensador romano do século I a.C, a quem foi confiado que organizasse as obras de Aristóteles quando as mesmas foram apropriadas por Silas no ano de 86 a.C. e levadas de Atenas para Roma.
2 Dois homens não podem ocupar o mesmo lugar no mesmo tempo e espaço.
3 Pela sua etimologia, vemos que esse conceito tem sua origem no latim, significando: humus = solo, terra; ildade = disciplina. Daí afirmarmos que o humilde é aquele que procura manter os pés no chão. O contrário do arrogante, do soberbo que julga já possuir a verdade sobre tudo.
4 Por marxiano no referimos ao próprio pensamento de Karl Marx (1818-1883).
5 Antonio Gramsci (1891-1936) pode ser considerado um pensador marxista autêntico porque interpretou de modo original o pensamento marxiano. Suas maiores contribuições são do período que esteve preso (1926-1936). São famosos os chamados Cadernos do Cárcere, em que a Educação e a Política ocupam um papel de destaque.
LEI DA ATRAÇÃO
Para esses autores, a Ideologia se constitui num corpo de idéias muito bem arquitetado e busca dar sustentação a uma determinada realidade. Por isso, eles diziam que, de modo geral, as idéias da classe dominada são as idéias da classe dominante. Porém, Antonio Gramsci defendia a tese de que, com a ajuda dos Intelectuais orgânicos, a classe dos debaixo poderiam elaborar uma contra-ideologia capaz de fazer frente à ideologia dos de cima.
Ao analisarmos mais à frente trechos de O segredo, evidenciamos que há, claramente, uma tentativa de universalização de um conjunto de idéias, em que os privilégios dos de cima permanecem intocáveis. Passemos agora a conhecer os aspectos gerais de sua obra.
Antes de fazer, propriamente, alusão àquilo que é objeto central desta reflexão - que é tentar desconstruir e mesmo desvendar o que há de subjacente em O segredo -, far-se-á, mesmo que de forma breve, uma descrição acerca do que trata a obra. O livro de Rhonda Byrne é posterior ao filme O segredo, que a autora resolveu produzir para revelar ao mundo aquilo que ela considera o grande segredo da humanidade: a lei da atração. Nas palavras da autora: "Tudo o que entra em sua vida é você que atrai, por meio das imagens que mantém em sua mente. É o que você está pensando. Você atrai para si o que estiver se passando em sua mente".
De acordo com Byrne, ao longo da História, grandes homens e mulheres obtiveram sucesso e mudaram os rumos da humanidade e de suas vidas, porque eram detentores desse conhecimento. Tamanho é o poder da lei da atração, que ela foi mantida em segredo, sendo descoberta por uns poucos privilegiados como Platão, Galileu, Beethoven, Einstein, entre outros.
Depois dessa descoberta (feita por acaso), a autora conta que decidiu buscar na contemporaneidade outros homens e mulheres conscientes do "segredo" e dispostos a partilhá-lo. Colheu depoimentos de "grandes mestres da atualidade" (de acordo com a autora), como Bob Proctor e outros palestrantes, filósofos e empresários que acreditam que o grande segredo para a riqueza, a felicidade, a saúde, o sucesso, longevidade é muito simples: a lei da atração - você atrai para si tudo aquilo em que se concentra.
SHUTTERSTOCK
No detalhe da pintura A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio, é possível observar Aristóteles, o pai da Metafísica, com a sua mão voltada para baixo, representando a racionalidade, e Platão, seu professor, com as mãos para cima, representando o mundo das idéias
De acordo com o livro, a lei da atração baseia-se na idéia de que nossos pensamentos emitem uma freqüência captada pelo universo. Atrairemos, dessa forma, aquilo em que nos concentrarmos, conscientes ou não de tal fato.
Recheando a sua exposição com depoimentos de contemporâneos que comungam da mesma tese, Byrne afirma, categoricamente, que qualquer pessoa pode conseguir qualquer coisa, ou seja, basta se concentrar e o universo responderá às vibrações de seu pensamento.
De acordo com a autora, não se trata apenas de pensamento positivo. A lei da atração é mais profunda que isso: seus pensamentos atrairão aquilo em que você se concentrar; então, se ficar preocupado com a obesidade, seu pensamento produzirá certa freqüência e você atrairá mais obesidade para sua vida.
Também não basta, segundo Byrne, pensar em coisas boas; é preciso visualizá- las, agir como se elas já estivessem ali e, assim, é possível conseguir tudo que se quer. Como se o universo atendesse às nossas solicitações. Uma idéia que, conforme afirma a autora, não é nenhuma novidade, já estava na Bíblia: "Pedi e recebereis".
A credibilidade conquistada por Byrne se deve ao fato de embasar suas afirmações com explicações retiradas, não da astrologia, do esoterismo ou da religião, mas de ciências como a Física, a Química - áreas de grande credibilidade em nossa sociedade. Ao explicar "cientificamente" a lei da atração, a autora conquista a confiança dos leitores.
O PRISMA IDEOLÓGICO
Voltemos à tese, qual seja, a proposição de que esse livro foi construído no sentido de ser um Pense isso, daí seu caráter ideológico.
Partindo da falácia Ad verecundiam (apelo à autoridade) - já conhecida na História da Filosofia pelo que se convencionou chamar de Lógica não Formal -, a autora reproduz, logo no início do livro, um argumento tão difundido na cultura norte-americana: a idéia da riqueza fácil. Citando Bob Proctor, que diz: "Por que você acha que 1% da população ganha cerca de 96% de todo o dinheiro que circula? Você acha que isso acontece por acaso? Isso é planejado assim. Esse 1% entende algo. Eles entendem 'o segredo', e agora, você está sendo apresentado a ele".
Qual é a intencionalidade subjacente a tal afirmação? Por que logo depois de revelar "o segredo", a autora procura enfatizar a idéia de que é possível obter riqueza facilmente, bastando conhecer tal segredo?
Ora, somos sabedores de que vivemos numa sociedade em que a riqueza súbita é desejada por muitos; em que o que vale não é nem tanto o novo, mas sim a novidade; onde o caráter pragmático da cultura norte-americana é difundido de todas as formas possíveis - e esse livro é mais uma evidência disso. Percebe-se, claramente, que uma das dimensões ideológicas dessa obra reside no fato de que basta eu acreditar e pensar que ficarei rico, e isso ocorrerá inexoravelmente.
Essa maneira é própria da cultura norte-americana, na qual a lógica do consumo é altamente difundida. Assim, esse tipo de discurso encontra terreno fértil para se reproduzir6.
DIVULGAÇÃO
Cena do filme O Segredo: Considerado por boa parte da crítica como uma espécie de "documentário de auto-ajuda", traz depoimentos de escritores, pesquisadores e filósofos que defendem a existência de um segredo milenar, conhecido por alguns dos líderes da humanidade, nunca antes revelado, e que pode ser a chave para o sucesso
O interessante é observar que o caráter histórico em que os atores sociais estão inseridos não é levado em consideração pela autora. Outro aspecto a ser destacado é que o que está oculto (daí seu caráter ideológico) é a idéia de que eu poderei ter tudo o que quiser mesmo que seja de forma solipsística7. Fica tudo muito relegado à subjetividade. Isso fica evidente na seguinte afirmação da autora: "Agora você está conhecendo 'o segredo', e com esse conhecimento poderá mudar tudo". A tese marxiana de que podemos mudar a História, mas, se desejarmos mudá-la, a luta necessita ser coletiva, é aqui ignorada. Essa afirmação de Byrne evidencia, ao nosso entendimento, que há um dogmatismo obscurantista presente no seu livro. Tenta nos fazer acreditar que, sozinhos, podemos mudar o rumo da nossa vida e da humanidade. Ela escreve sobre o homem como se cada um fosse uma subjetividade isolada no cosmos e não se construísse a partir das relações com os demais atores sociais. A tese freirena, de que ninguém educa ninguém, que ninguém se educa sozinho, mas que nós nos educamos pela mediação pedagógica e ainda mediatizados pelas condições históricas em que estamos inseridos, é, aqui, totalmente desprezada, ignorada.
CONTRADIÇÕES
Por outro lado, esse "segredo" - lei da atração - poderia ser também questionado da seguinte forma: como explicar, por exemplo, tragédias coletivas? Todos os envolvidos estavam vibrando na mesma "freqüência" trágica? E a sobrevivência de um suicida? A vibração de seu pensamento foi tão positiva no momento em que ele tentava tirar a própria vida a ponto de conseguir preservá-la?
Podemos, ainda, afirmar que é possível entender que esse "determinismo psíquico" presente em O segredo constitui- se numa hetero-ajuda8, no sentido de que, para buscar melhorar meu endereço existencial, necessito buscar essas idéias que são exteriores a mim, sendo ela, Rhonda Byrne, a grande reveladora e porta-voz das mesmas.
O caráter significativo do escolher-se de Sören Kierkegaard (1813-1855) é aqui ignorado. Por isso, a autora de O segredo produz, com sua obra, a morte da Filosofia, à medida que o pense isso é mais importante do que o pense nisso.
O pensamento de Espinosa9 (1632- 1677) também contrapõe o determinismo presente em O segredo. Para o pensador, todos os elementos presente na Natura Naturada - materialização da Natura Naturante - são portadores de um conatus.
6 Como somos altamente influenciados pela cultura norte-americana e vivemos em tempos de globalização de quase tudo, isso acaba se reproduzindo por aqui com muita facilidade também. No meu entendimento, é uma verdadeira "praga daninha" porque não favorece a cultura do cooperativismo, da comensalidade.
7 Derivado do conceito Solipsismo. Na Filosofia corresponde a idéia de que só existe o Eu. Os outros entes ou mesmo os demais seres humanos são apenas coisas. Há uma outra forma mais indica para designar este mesmo conceito que é egoísmo. Também pode significar, dependendo contexto, aquele que deseja viver só. Que pensa que é uma ilha. No entanto, Aristóteles logo no início de sua obra A Política, afirma que o homem por natureza é Zoon Politikón, ou seja, animal político que só consegue se construir (existir) a partir da relação com o outro.
8 O conceito comumente utilizado nesse tipo de literatura é o de auto-ajuda. Contudo, aprendi com um amigo, grande filósofo, prof. Cláudio Joaquim Rezende, que o politicamente correto é eu dizer que essa forma de escrever da autora caracteriza-se por ser uma hetero-ajuda. Isso porque remete à busca da solução de um problema existencial fora da pessoa. Procuram-se receitas prontas. Ocorre quando não se faz uma reflexão rigorosa, radical e de conjunto, das condições que levam a tal problema existencial e passa-se a seguir algo pronto, acabado, razão pela qual poucas vezes produzem os efeitos desejados. O objetivo, aqui, é desmascarar o termo auto-ajuda. É uma atitude iluminista demonstrar que o termo esconde uma cilada na medida em que dá a entender que a pessoa está se ajudando, quando, na verdade, ela está sendo induzida a pensar de uma determinada forma. Além disso, traçar tal diferença é convidar as pessoas para serem autônomas e não heterônomas.
9 Baruch Espinosa (Spinoza) viveu em Amsterdã, na Holanda. Estudou junto com a comunidade rabínica e, em 1657, ele foi vítima do HEREM, ou seja, foi excomungado da comunidade judaica. Converteu-se ao cristianismo e novamente foi expulso. Hoje vem sendo objeto de estudo de vários intelectuais no mundo inteiro. No Brasil, certamente, uma das filósofas que mais estudou e vem estudando esse pensador é Marilena Chauí.
No Dicionário Latino-Português de Raulino Bussarello, conatum significa "esforço", "tentativa". Esforço ou tentava do quê? Para Espinosa, o conatus consiste no esforço contínuo, na luta pela existência. Por isso, podemos dizer que o conatus é uma força intrínseca que nos chama para a vida. Ninguém deseja conscientemente morrer. Lutamos continuamente para nos manter vivos. "Isso vale tanto para nós humanos quanto para os demais seres existentes no universo", diz ele.
SHUTTERSTOCK
Para Byrne, a lei da atração está sempre agindo em todos nós, assim como as leis naturais da gravitação, e da ação e reação. Por meio dela, pode-se conseguir o enriquecimento rápido
SHUTTERSTOCK
Tio Sam, símbolo do poder do capitalismo norte-americano: contida na teoria de Byrne, a idéia da riqueza fácil está fortemente arraigada à cultura dos Estados Unidos
Nos dias atuais, um mal existencial que vem sendo muito divulgado e mesmo estudado é a depressão. Podemos afirmar que alguém que se encontra nesse endereço existencial de sofrimento é alguém que está com seu conatus enfraquecido.
Para Byrne, a solução para a depressão passa pela lei da atração. Assim nos diz ela:
"Você possui dois conjuntos de sentimentos: os bons e os maus. E sabe a diferença entre os dois porque um faz você se sentir bem e o outro faz você se sentir mal. É a depressão, a raiva, o ressentimento, a culpa. Esses sentimentos não fazem você se sentir fortalecido. São os maus sentimentos". Mais adiante, reafirma: "A coisa mais importante que você deve saber é que é impossível sentir- se mal e, ao mesmo tempo, ter bons pensamentos. Isso desafiaria a lei, porque seus pensamentos produzem seus sentimentos. Se você está se sentindo mal, é porque está tendo pensamentos que estão fazendo você se sentir mal".
Muito embora a teoria das paixões da tristeza e das paixões da alegria de Espinosa possua certa semelhança com a teoria do livro em questão, quando analisada de modo mais profundo vemos que são coisas bem distintas. Para ele, as paixões da tristeza podem ser consideradas como paixões fracas. Isso porque elas, uma vez existindo em nós, enfraquecerão o nosso conatus. Ao passo que as paixões da alegria são consideradas paixões fortes, justamente por serem opostas às da tristeza. Como exemplos de paixões da tristeza, podemos citar a inveja, o ciúme, a mágoa o ódio e o vício. Já no que tange as da alegria, temos a bondade, a amizade, a beleza, o perdão e a virtude entre outras. Mas afinal, o que isso tem de diferente da teoria de Byrne?
Para respondermos a essa questão, necessitamos compreender o conceito de Ética10 para Espinosa. Ele nos diz que nosso conatus não vive de forma solipsística. Não há como não estabelecermos relações com o conatus dos demais seres existentes na natureza. Todo encontro intersubjetivo acaba sendo um encontro de conatus.
10 Uma de suas principais obras é justamente esta chamada Ética.
Se na relação que estabeleço minha intenção é tentar ceifar o conatus do outro, então este "outro" virá de encontro ao meu conatus. Você deve estar se perguntando: e o que isso significa? Significa que ele tentará fazer de tudo para enfraquecer o meu conatus porque, em última instância, ele também deseja que o seu continue a existir.
O PAPEL DA ATITUDE
No entanto, se assim agirmos, a Ética estará longe, uma vez que, segundo Espinosa, ela consiste na luta constante para que ambos os conatus possam continuar existindo em uma determinada relação. Em outras palavras, se faço o bem, recebo o bem, não apenas porque meus pensamentos são bons, mas porque, à medida que faço o bem, você terá seu conatus fortalecido; conseqüentemente, desejará também fortalecer o meu, razão pela qual teremos como resultado o fortalecimento recíproco dos conatus.
Um exemplo que certamente nos ajudará a entender melhor a questão acima é o contraponto que podemos fazer entre o educador brasileiro Paulo Freire e os traficantes de modo geral. Para os educadores que conheceram Freire pessoalmente, ou já leram algo sobre o pensamento dele, não haveria dificuldade de entrar em consenso acerca de suas intenções, qual seja, de que sua grande missão consistiu numa luta contínua para o fortalecimento do conatus da coletividade em geral. Por isso, ele está imortalizado na alma de tantos de nós. A maioria que conhece sua teoria percebe que ela nos fortalece no tocante à esperança de dias melhores para todos pela ajuda que a Educação pode nos facultar. Por isso, ele é amado por tantos atores sociais neste país.
SHUTTERSTOCK
Tragédias coletivas: Fenômenos que, de certa forma, possibilitam o questionamento da "Lei da Atração". Em casos como esses, estariam todas as vítimas vibrando, simultaneamente, na mesma freqüência trágica?
No entanto, não podemos dizer o mesmo dos traficantes. Suas escolhas vão no sentido do enfraquecimento do conatus de todos aqueles que se envolvem na dependência química. Por essa razão, eles são vistos como pertencentes ao "eixo do mal". Sempre que podem - estando numa posição de segurança -, as pessoas de bem procuram denunciá-los tentando afastá- los uma vez que com suas ações enfraquecem o nosso conatus.
REFERÊNCIAS
GIOVANI, Reale. História da Filosofia: Filosofia Pagã e Antiga. V.I / Giovane Reale, Dario Antiseri; (tradução Ivo Storniolo). São Paulo. Paulus, 2003.
MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. V. I;(tradução Bênoni Lemos). São Paulo. Paulus, 1981(Coleção Filosofia).
CHAUÍ, Marilena. Espinosa, uma Filosofia da Liberdade. São Paulo. Ed. Moderna. 2001.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Editora Mestre Jou. São Paulo. SP. 1982.
SPINOSA, Baruch de. Ética. Tradução de Lívio Xavier. São Paulo. Ed. Tecnoprint (Ediouro).
RHONDA, Byrne. O Segredo. Ed. Ediouro.
Ivo José Triches é especialista em: Pensamento Contemporâneo pela PUC-PR; Filosofia Política pela UFPR e Filosofia Clínica pelo Instituto Packter; Mestre em Mídia e Conhecimento pela UFSC; Professor e Membro do Conselho Gestor do ITECNE em Curitiba, PR. e-mail: ivo@itecne.com.br
ANIMAL EU ! HEIM.....................
Hoje asssiti na tv, uma mulher alimentando CARINHOSAMENTE PEIXES,e esses além de ir até ela para receber o alimento, deixava-se acarinhar em seu dorso, como pode? ANIMAIS! E DE SANGUE FRIO! responder e corresponder a atenção dada, hahah, eu sei que nada sei sobre esse universo holístico que é a vida, talvez precise de mais 50 anos; para aprender e apreender um pouco ...........
Por que gostamos de nossos cachorros?
Há tempos pesquisadores de variadas formações têm se empenhado em estudar as relações entre os seres humanos e animais de estimação. As conclusões variam, mas o denominador comum é que o vínculo proporciona ganhos para os dois lados
Entenda o seu cão
Este é o título do livro escrito por Bruce Fogle, um especialista no assunto, e também o desejo da maioria das pessoas que convivem com um cãozinho. Afinal, não basta dar abrigo, água e comida. No livro, ilustrado com mais de 350 fotos, é mostrado em detalhes o dia-a-dia canino, com informações que ajudam a interpretar e compreender como os cães agem e por quê. Mostrando inclusive que há grandes diferenças de temperamento e caráter entre as raças.
No estudo de passeio real com cães realizado pelos pesquisadores ingleses Nicholas e Collis, experimentadores passearam com e sem um cão. Mais desconhecidos se aproximaram deles quando estavam com o cão do que quando estavam sozinhos. Outro pesquisador demonstrou que donos de cães conversam mais com outras pessoas quando passeiam com seus cães no parque do que quando vão sozinhos. Como vimos, há vários estudos sobre os benefícios para a saúde proporcionados pelos cães e normalmente isso é atribuído ao conforto emocional que promovem. Porém, Nicholas e Collis argumentam que essa melhora na saúde pode ser também efeito do aumento das interações sociais proporcionadas pela presença dos animais. A sensação de integração social que possuir um animal de estimação pode causar contribuiria também para elevar o bem-estar de seus donos.
Enfim, a velha asserção "o cão é o melhor amigo do homem" em termos evolutivos pode ser invertida para "o homem é o melhor amigo do cão". No âmbito de nossas vidas, os cães têm assumido vários papéis, mas todos podem ser resumidos como o de amigo. Para unir os sentidos evolutivos e o da nossa vida na atualidade, ficaria melhor então propor: cães e homens, uma velha relação de amizade.
Isabella Bertelli Cabral dos Santos é graduanda em Psicologia pela USP e bolsista em Iniciação Científica pelo CNPq. Site pessoal de divulgação científica:
Por que gostamos de nossos cachorros?
Há tempos pesquisadores de variadas formações têm se empenhado em estudar as relações entre os seres humanos e animais de estimação. As conclusões variam, mas o denominador comum é que o vínculo proporciona ganhos para os dois lados.
A análise das relações entre seres vivos em termos de benefícios e malefícios pode nos dar dicas de como evoluiu essa relação tão peculiar. Podemos olhar para as vantagens ou desvantagens que os cães nos proporcionam hoje como uma dica sobre o que teria acontecido ao longo do nosso passado compartilhado. Para a nossa associação com os animais de estimação ter sido adaptativa, no sentido evolutivo, é preciso que tenha trazido vantagens adaptativas para nossos antepassados e que os benefícios advindos daí tenham superado os custos. Esta é uma parte da resposta, pois se refere a um nível de explicações numa escala temporal distante. Vamos agora lançar nosso olhar para mecanismos evolutivos, que levam milhares de anos para se estabelecerem.
Mutualismo, comensalismo ou parasitismo
Para saber se nossa relação com o cão se enquadra mais no mutualismo, comensalismo ou parasitismo, precisamos examinar as vantagens e desvantagens para cada um dos envolvidos. São vantagens e desvantagens analisadas pelos cientistas de um ponto de vista atual, independentemente dos referenciais dos ancestrais humanos ou caninos. O que eles puderam sentir se trata de um nível mais próximo de análise, que será discutido mais adiante.
As vantagens para os animais são óbvias: nós somos fonte de alimentação, abrigo, proteção e cuidado para eles, e ainda favorecemos sua procriação. As lojas de pet shop têm aproveitado a nossa dedicação a esses animais - compramos diversas rações, bolachas, brinquedinhos, enfim, uma miríade de produtos. Provemos muitos recursos aos nossos animais, alimentando-os, protegendo-os e levando-os ao veterinário.
Para os cães as vantagens dessa relação tão próxima com os humanos são imensas; sua população se tornou muito maior do que seria sem essa proximidade. Imagine seus parentes lobos nas florestas - cada vez mais degradadas - e o quanto têm de se esforçar para conseguir alimento, fugir de predadores, abrigarem-se de fenômenos climáticos, recuperarem-se de doenças e ferimentos. Nossos cães, em geral, vivem bem mais sossegados, excluindo-se os casos de maus tratos, que em nossa sociedade são passíveis de punições pela Justiça. Felizmente, a conscientização para o bem-estar animal tem crescido.
Para os humanos, há uma vasta literatura descrevendo os benefícios para a saúde fisiológica e psicológica proporcionados pelo convívio com animais. Por exemplo, menor incidência de doenças cardiovasculares, redução dos níveis de triglicérides, colesterol e pressão sanguínea, melhor recuperação, menor incidência de doenças, diminuição das reações típicas do estresse, ampliação do bem-estar psicológico e aumento do cuidado pessoal e da auto- estima. Além disso, cães treinados são amplamente utilizados na assistência a pessoas com deficiências e idosos. Contudo, é difícil avaliar se os benefícios para a saúde são suficientes para uma contribuição discernível em nosso passado evolutivo e se superaram os custos necessários para manter um animal.
OS INDÍCIOS SÃO DE QUE A ASSOCIAÇÃO ENTRE HUMANOS E CÃES TENHA SE INICIADO HÁ APROXIMADAMENTE 12 MIL ANOS
Por isso há uma discussão acerca de como a relação entre os seres humanos e os animais de estimação seria classificada. Alguns autores, como Serpell, acreditam que esse tipo de relação é de mutualismo. Ele argumenta que os animais têm sido úteis aos humanos para transporte, vestimenta, caça, alimentação e como animais de estimação. Outros argumentam que a relação seria de comensalismo, pois o que proveríamos aos animais não nos seria tão custoso. Porém, John Archer, outro pesquisador, tem uma hipótese curiosa: a relação seria de parasitismo, porém de um tipo especial - o parasitismo social.
Parasitismo social é a situação em que uma espécie manipula o comportamento de outra para obter um benefício, sem fornecer vantagem à altura em troca. Por exemplo, o pássaro cuco bota seus ovos em ninhos de outras espécies de pássaro e seus filhotes manipulam o comportamento dessas outras espécies, fingindo ser um legítimo filhote, de modo que as aves adultas os alimentam e protegem.
Archer nos convida a olhar para as características faciais e comportamentais dos cães: face rechonchuda, movimentos desajeitados, testa larga, olhos expressivos. Há tempos estudiosos do comportamento humano sabem que tendemos a responder de forma parental a certas características faciais e corporais encontradas em bebês humanos. Significa que sentimos vontade de cuidar de seres que apresentem essas características, típicas dos bebês humanos. Por isso também somos facilmente atraídos por personagens de desenho animado como Piu-Piu, Dumbo e Mickey Mouse, gostamos de acariciar brinquedos como ursos de pelúcia e nos atraímos tanto por animais a quem muitas vezes tratamos como bebês - os cachorros, por exemplo.
UM PESQUISADOR LEVANTA A HIPÓTESE CURIOSA DE QUE A RELAÇÃO ENTRE SERES HUMANOS E CÃES SERIA DE UM TIPO ESPECIAL DE PARASITISMO, O PARASITISMO SOCIAL.
A arte de Manipular
Há evidências convincentes de que as pessoas usualmente vêem sua relação com seus animais de estimação como similares às que têm com seus filhos. Os donos de animais de estimação os tratam como crianças, por exemplo, brincando com eles, falando em tom maternal - com a chamada fala "tatibitate" - e costumeiramente referindo-se a eles como "meu bebê", cuidando e acariciando como se fossem bebês humanos, mesmo quando o cão já é adulto. Em estudo conduzido por Berryman e outros pesquisadores, concluiu-se que os animais de estimação são vistos como tão próximos quanto "o próprio filho" pelos humanos. Outras evidências de que os animais atuam como substitutos de crianças podem ser encontradas em estudos de outras culturas, que podem incluir até mesmo a amamentação de animais filhotes por mulheres lactantes.
E Por que gostamos de nossos cachorros?
Há tempos pesquisadores de variadas formações têm se empenhado em estudar as relações entre os seres humanos e animais de estimação. As conclusões variam, mas o denominador comum é que o vínculo proporciona ganhos para os dois lados
Os traços dos filhotes nos fazem querer cuidar deles e protegê-los
Archer acredita que em nosso passado os cães teriam manipulado respostas parentais humanas, assim como os cucos fazem com outras aves. O que ele quer dizer é que, quando começamos a criar cachorros, selecionamos aqueles que tinham características de bebês porque elas nos atraem, e ao longo das gerações esses animais foram se reproduzindo e hoje estão largamente representados - a domesticação. Os cães podem ser considerados manipuladores da espécie humana, no nível de análise evolutiva.
É claro que essa manipulação não implica intenção consciente. Lembre-se de que estamos analisando um nível distante. Manipulação é um termo evolucionista que aqui significa conseguir benefícios do hospedeiro, aproveitando-se de dispositivos comportamentais já existentes. Mas os cães não pensaram e não pensam em nos manipular intencionalmente. Eles simplesmente têm características das quais gostamos, nos dão carinho e gostam verdadeiramente de nós, assim como nós deles. Os termos evolucionistas são usados numa análise mais ampla, definível ao longo de várias gerações, e não implicam em intenção.
Cãozinho apaixonante
Marley e eu é o título do livro de não-ficção que se tornou um bestseller no Brasil e nos Estados Unidos, onde foi inicialmente lançado. Conta a história do cãozinho labrador acolhido pelo casal John e Jenny quando ainda era um filhote. Jenny então estava disposta a testar seus dotes maternais antes mesmo da gravidez. O casal então se decide a ter uma mascote. Porém, contrariando suas expectativas, Marley se mostra um grande bagunceiro. Ele arrebentava portas por medo de trovões, rompia paredes de compensado, babava nas visitas, apanhava roupas de varais vizinhos e comia praticamente tudo que via pela frente, incluindo tecidos de sofás e jóias. E foi expulso da escola de adestramento. Apesar de tudo, Marley tinha um coração puro, e amor e lealdade sem limites.
Assim, agora podemos partir para uma análise em nível próximo, no âmbito de nossas vidas - formulando a segunda parte da resposta à pergunta "Por que gostamos de cachorros?". Essa análise já teve início quando dissemos que os cães se parecem com bebês. Temos desenvolvido com os cães afetivos laços fortes. Há várias pesquisas abordando a importância que um cachorro pode ter na vida de uma pessoa. Além do fato de um cão poder ser considerado como um filho, outras peculiaridades desta relação têm sido estudadas. E uma relação tão próxima e emocional também interessa aos psicólogos em geral.
Há estudos que apontam que a relação emocional com os cães pode ser considerada substituta àquelas que se têm com um cônjuge ou com os próprios pais. Foi feita uma pesquisa intercultural sobre animais de estimação e se constatou que os animais servem a uma variedade de papéis além do de "filho". O cachorro parece suprir, em muitos casos, uma necessidade emocional. Pode ser uma fonte de segurança e, quando as pessoas se sentem ansiosas, o cão pode ter um efeito calmante. Assim, a natureza do laço entre humanos e cães contém um forte elemento de segurança, por isso o animal pode substituir a companhia de outro humano.
Há tempos pesquisadores de variadas formações têm se empenhado em estudar as relações entre os seres humanos e animais de estimação. As conclusões variam, mas o denominador comum é que o vínculo proporciona ganhos para os dois lados
O apego emocional que temos com os cães é enorme. Pesquisadores construíram um questionário contendo frases que indicavam níveis de apego com um cachorro de estimação, como, por exemplo, carregar a fotografia dele, deixá-lo dormir em sua cama, freqüentemente falar e interagir com ele e defini-lo como um membro da família. Os dados indicaram altos níveis de apego entre donos e seus cães. Quase a metade definia seu cachorro como um membro da família, 67% carregava uma fotografia dele em sua carteira, 73% deixavam que eles dormissem em sua cama e 40% comemoravam o aniversário do cachorro. As mulheres apresentaram apego ainda mais forte com seus animais do que os homens.
Há quem considere animais de estimação como um filho ou outro membro da família.
Outro estudo também mostrou forte apego por parte de muitos donos, mostrando que muitos entrevistados concordaram com itens como "ver o animal como uma importante parte de suas vidas" e como "aquele que promove um senso de conforto".
Relatos sobre as reações à perda de um animal de estimação também mostram como é forte o apego desenvolvido. O pesar causado pela perda de um animal de estimação pode ser proporcional ao custo de perder uma pessoa amada. O processo de luto envolve angústia e pensamentos e sentimentos que acompanham o lento processo de se despedir de uma relação estabelecida. Estudos indicam que há claros paralelos entre as variadas reações que as pessoas apresentam seguidamente à perda de um animal de estimação e aquelas sentidas pela perda de um relacionamento entre humanos.
Uma visão comum, principalmente entre aqueles que não têm animais de estimação, é a de que esse sentimento forte com cães indica que a pessoa apresente uma inadequação nas relações interpessoais com outros humanos. O apego com animais de estimação pode não ser bem visto e julgado como típico de pessoas socialmente desajustadas, imaturas e fracas, como se fosse errado destinar afeição a outra espécie. Serpell acredita que essa visão pode vir da tradição judaico-cristã de considerar que os animais foram criados para servir ao homem, que deve então dominar essas criaturas consideradas inferiores e nunca se equiparar a elas. A Biologia atual, no entanto, não considera os outros animais inferiores ao homem, que é também um animal.
Apego e segurança
Algumas pesquisas foram feitas e encontraram mais características de personalidade consideradas positivas entre aqueles que têm animais de estimação do que os que não têm. Outro achado é que as pessoas que têm relações mais fortes e seguras com outros humanos são as que demonstram apego mais forte com seus animais, contrariando a idéia de que essa característica caberia mais facilmente a pessoas desajustadas socialmente.
PARA OS HUMANOS HÁ UMA VASTA LITERATURA QUE DESCREVE OS BENEFÍCIOS DA CONVIVÊNCIA COM ANIMAIS
Também se cultiva a visão de que a relação com animais de estimação é específica do Ocidente moderno. Contudo, evidências arqueológicas, geográficas, históricas e antropológicas contrariam tal idéia. Há evidências da domesticação dos cães datadas de milhares de anos atrás - incluindo um humano enterrado junto com um cão. Várias evidências fósseis indicam que a domesticação dos cães começou quando os adotamos como animais de estimação e não para outros propósitos, como a caça. Além disso, possuir animais de estimação foi comum na Grécia e Roma antigas e em vários locais da Europa, China, Japão e África, até mesmo em sociedades tribais, como na América do Norte e do Sul e na Austrália. Assim, possuir um animal por afeição e não para fins alimentícios ou de trabalho - na sociedade ocidental denominado como animal de estimação - tem sido comum em grupamentos humanos em geral.
É claro que na sociedade ocidental atual há condições facilitadoras para a posse de animais de estimação. Os arranjos sociais favorecem os laços com os pets: a demografia está caindo, as famílias são menores e estão sendo modificadas, com mais pessoas morando sozinhas. Apesar da falta de evidências para se afirmar que as pessoas que se ligam aos seus animais são desajustadas socialmente, aquelas que moram sozinhas ou não têm filhos demonstram ser mais apegadas aos seus animais, o que não significa que tenham dificuldades no contato com outros humanos.
Pessoas apegadas aos seus cães costumam ser também as que se sentem mais seguras nas relações interpessoais
Além disso, a sociedade ocidental parece enfatizar a individualidade, a racionalidade, o controle, o livre-arbítrio e o materialismo, diferentemente de sociedades tradicionais, que priorizam os valores comunitários, a expressão emocional e a espiritualidade. Essas diferenças afetam as crenças e atitudes das pessoas. Assim, o hábito de possuir animais de estimação pode ser muito acentuado no Ocidente talvez pelo preenchimento de necessidades emocionais que os animais proporcionam, supridas de outras maneiras em outras sociedades. Contudo, estudos transculturais indicam que a posse de animais de estimação está mais relacionada a tradições e crenças a respeito dos animais - como a idéia de que são inferiores, pouco dignos do cuidado humano - do que com a extensão da família ou com a dimensão coletivista ou individualista da sociedade. Porém, em uma tradição cultural particular, a existência de menos contatos sociais pode acentuar o apego aos animais.
Alguns autores têm sugerido que os cães podem agir como catalisadores sociais: esses animais aumentariam a freqüência de interações sociais e elevariam ou reforçariam a rede de relações entre pessoas. Em algumas pesquisas se conclui que o animal agiu como um facilitador de contato inicial, "quebrando o gelo", removendo inibições em conversas casuais e provendo um tópico neutro e seguro de conversação. Wood e colaboradores confirmaram essa linha de pensamento em entrevistas realizadas na Austrália. Eles encontraram relação positiva entre proprietários de animais de estimação e formas de contato social, interação e percepção de amizade entre vizinhos. Estes tiveram maior índice de engajamento social, referindo-se a aspectos da vida social (como normas, confiança mútua e redes sociais) que fazem com que pessoas ajam em conjunto mais eficientemente rumo a um objetivo comum.
Há tempos pesquisadores de variadas formações têm se empenhado em estudar as relações entre os seres humanos e animais de estimação. As conclusões variam, mas o denominador comum é que o vínculo proporciona ganhos para os dois lados
Entenda o seu cão.
Este é o título do livro escrito por Bruce Fogle, um especialista no assunto, e também o desejo da maioria das pessoas que convivem com um cãozinho. Afinal, não basta dar abrigo, água e comida. No livro, ilustrado com mais de 350 fotos, é mostrado em detalhes o dia-a-dia canino, com informações que ajudam a interpretar e compreender como os cães agem e por quê. Mostrando inclusive que há grandes diferenças de temperamento e caráter entre as raças.
No estudo de passeio real com cães realizado pelos pesquisadores ingleses Nicholas e Collis, experimentadores passearam com e sem um cão. Mais desconhecidos se aproximaram deles quando estavam com o cão do que quando estavam sozinhos. Outro pesquisador demonstrou que donos de cães conversam mais com outras pessoas quando passeiam com seus cães no parque do que quando vão sozinhos. Como vimos, há vários estudos sobre os benefícios para a saúde proporcionados pelos cães e normalmente isso é atribuído ao conforto emocional que promovem. Porém, Nicholas e Collis argumentam que essa melhora na saúde pode ser também efeito do aumento das interações sociais proporcionadas pela presença dos animais. A sensação de integração social que possuir um animal de estimação pode causar contribuiria também para elevar o bem-estar de seus donos.
Enfim, a velha asserção "o cão é o melhor amigo do homem" em termos evolutivos pode ser invertida para "o homem é o melhor amigo do cão". No âmbito de nossas vidas, os cães têm assumido vários papéis, mas todos podem ser resumidos como o de amigo. Para unir os sentidos evolutivos e o da nossa vida na atualidade, ficaria melhor então propor: cães e homens, uma velha relação de amizade.
Isabella Bertelli Cabral dos Santos é graduanda em Psicologia pela USP e bolsista em Iniciação Científica pelo CNPq. Site pessoal de divulgação científica: www.cientificamente.blogspot.com. Contato: isabellabertelli@yahoo.com.br
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
AMORES SECULO 21
Correm o Mundo as notícias de quando acontece. Duas pessoas encontram-se por meio da Internet, partilham gostos, interesses, experiências e apaixonam-se. No entanto, este tipo de amores é ainda visto com alguma desconfiança por muitos. O que dizer daqueles que se apaixonam via Internet?
Em primeiro lugar, o que é necessário para duas pessoas se apaixonarem verdadeiramente? Há quem se apaixone por aquilo que precisa, ao encontrar uma pessoa que preenche as suas necessidades. Há quem se apaixone pelo que idealiza, quando encontra alguém que representa aquilo que se gostaria de ser um dia. No geral, encontra-se nos apaixonados uma base e um enquadramento comuns - valores, referências, interesses, objectivos, projectos - que, aliados à atracção e química física, constituem assim o terreno no qual a paixão e o amor nascem e crescem.
Mas porquê então a desconfiança? Efectivamente, há determinados pormenores nas pessoas que apenas observamos na sua presença física e «real». Mas por outro lado, a forma e o conteúdo do que se escreve num chat é muito elucidativa da pessoa. Como o são os trejeitos, os gestos, o tom musical e afectivo da voz que se podem ouvir e observar numa vídeo-conferência. Apesar de a interacção física se tornar - a partir de certo momento - fundamental, é bastante plausível considerar que é possível inferir muito conteúdo e significado através dos meios disponíveis online.
De facto, a Internet não é muito diferente da realidade na medida em que existem «locais» mais ou menos «credíveis» para se conhecer alguém. Da mesma maneira que é diferente conhecer alguém num jantar ou numa rave, é também diferente conhecer através de um blog minimamente idóneo ou através de um Hi5. Existem contextos diversos na Internet como existem na vida real, e é sabido que o contexto em que a relação começa tem um peso importante no seu desenvolvimento, pois veicula directa ou indirectamente os reais interesses de uma pessoa numa relação, não menosprezando o facto de que este valor é meramente preditivo.
Como tal, a Internet acaba por se demonstrar um sítio tão adequado como a vida real para conhecer pessoas. É apenas um instrumento, e como qualquer instrumento a sua acção depende inteiramente daquilo que fazemos dele.
É contudo bastante claro que é mais fácil dissimular e esconder através da Internet. No entanto, se as pessoas em causa forem minimamente idóneas e responsáveis, se os seus interesses forem minimamente adequados e não assentem numa base de promiscuidade, parece-me tão credível uma relação que tem por base um encontro virtual como um encontro real.
Em última análise, é o factor humano que faz a diferença. São as nossas próprias inclinações, desejos, interdições e projectos que guiam as nossas escolhas e, por consequência, o que delas advém.
«And in the end the love you take is equal to the love you make»
(The Beatles)
Em primeiro lugar, o que é necessário para duas pessoas se apaixonarem verdadeiramente? Há quem se apaixone por aquilo que precisa, ao encontrar uma pessoa que preenche as suas necessidades. Há quem se apaixone pelo que idealiza, quando encontra alguém que representa aquilo que se gostaria de ser um dia. No geral, encontra-se nos apaixonados uma base e um enquadramento comuns - valores, referências, interesses, objectivos, projectos - que, aliados à atracção e química física, constituem assim o terreno no qual a paixão e o amor nascem e crescem.
Mas porquê então a desconfiança? Efectivamente, há determinados pormenores nas pessoas que apenas observamos na sua presença física e «real». Mas por outro lado, a forma e o conteúdo do que se escreve num chat é muito elucidativa da pessoa. Como o são os trejeitos, os gestos, o tom musical e afectivo da voz que se podem ouvir e observar numa vídeo-conferência. Apesar de a interacção física se tornar - a partir de certo momento - fundamental, é bastante plausível considerar que é possível inferir muito conteúdo e significado através dos meios disponíveis online.
De facto, a Internet não é muito diferente da realidade na medida em que existem «locais» mais ou menos «credíveis» para se conhecer alguém. Da mesma maneira que é diferente conhecer alguém num jantar ou numa rave, é também diferente conhecer através de um blog minimamente idóneo ou através de um Hi5. Existem contextos diversos na Internet como existem na vida real, e é sabido que o contexto em que a relação começa tem um peso importante no seu desenvolvimento, pois veicula directa ou indirectamente os reais interesses de uma pessoa numa relação, não menosprezando o facto de que este valor é meramente preditivo.
Como tal, a Internet acaba por se demonstrar um sítio tão adequado como a vida real para conhecer pessoas. É apenas um instrumento, e como qualquer instrumento a sua acção depende inteiramente daquilo que fazemos dele.
É contudo bastante claro que é mais fácil dissimular e esconder através da Internet. No entanto, se as pessoas em causa forem minimamente idóneas e responsáveis, se os seus interesses forem minimamente adequados e não assentem numa base de promiscuidade, parece-me tão credível uma relação que tem por base um encontro virtual como um encontro real.
Em última análise, é o factor humano que faz a diferença. São as nossas próprias inclinações, desejos, interdições e projectos que guiam as nossas escolhas e, por consequência, o que delas advém.
«And in the end the love you take is equal to the love you make»
(The Beatles)
PSICOLOGIA
Quinta-feira, Maio 10, 2007
Psicologia / Psiquiatria
Actualmente um dos principais problemas que o psicólogo – nomeadamente o psicólogo clínico – enfrenta é a sua subalternização face ao psiquiatra. Este último, detentor do poder médico, assume no sistema de saúde uma posição que nada mais é senão o status quo especular do pensamento social, o qual entende a ciência e a medicina como os expoentes máximos de uma cultura de procura da verdade científica.
O poder médico começa por ser um poder mágico-religioso, independentemente daquele que o exerce (curandeiro, feiticeiro, sacerdote, físico ou cirurgião), tanto nas sociedades primitivas como nas sociedades complexas. Esse poder baseia-se sobretudo na crença de que a cura da doença, embora operada por forças divinas, exige a intervenção de um medium dotado de um dom ou carisma. Não é por acaso que o termo terapeuta (do grego therapeutés) significava originalmente «o que cuida, servidor ou adorador de um deus». Contudo, na sociedade actual temos de considerar que o poder médico está intimamente associado a um outro tipo de poder que é o poder da ciência, do «facto» e da «verdade científica» – o dogma do século XXI. Ciência e tecnologia são os dois bastiões da medicina actual bem como da veritas de qualquer outra coisa. Elas testemunham e definem aquilo em que devemos ou não acreditar, assumindo assim um carácter (também ele) mágico-religioso na medida em que o seu valor austero, de cariz peremptório, normaliza a sociedade nas suas convicções.
A psiquiatria usufrui de ambos estes poderes, que na realidade são apenas um, e o seu sentido manifesta-se na biologização do comportamento humano. Este processo, necessariamente redutor, encontra actualmente a sua manifestação instrumental por meio do medicamento, o qual é o método utilizado pelo psiquiatra para modificar o comportamento. A redução do ser humano ao biológico permite assim à psiquiatria considerar a sua omnipotência científica no que respeita à compreensão do psiquismo humano.
Por seu turno, a psicologia, provinda de uma escola de pensamento de tonalidade mais hermenêutica, não partilha deste poder médico. Por si só este facto explica a dificuldade do psicólogo em impor a sua prática, uma vez que a sociedade se encontra na necessidade premente de uma «segurança» médica e científica em tudo na sua vida, o que obviamente inclui o tipo de tratamento que deseja para si. Sendo óbvio que a psicologia possui um carácter científico, ao não partilhar a visão biologizante do ser humano conforme assumida pela psiquiatria ela está necessariamente a prescindir do poder médico que a beneficiaria.
A perspectiva biopsicossocial do ser humano conforme utilizada pela psicologia dinâmica parte de um pressuposto holístico que acima de tudo respeita a complexidade humana ao considerar que o seu estudo deve ser multifocal. Ela proporciona uma visão integral do ser e do adoecer que compreende as dimensões biológica, psicológica e social. Deve a psicologia fazer conhecer a sua perspectiva, impondo-se por aquilo que é e por aquilo em que acredita. Para isso devem contribuir principalmente os próprios psicólogos, que devem respeitar e fazer respeitar o seu trabalho.
«We live in a society exquisitely dependent on science and technology, in which hardly anyone knows anything about science and technology»
Carl Sagan
Psicologia / Psiquiatria
Actualmente um dos principais problemas que o psicólogo – nomeadamente o psicólogo clínico – enfrenta é a sua subalternização face ao psiquiatra. Este último, detentor do poder médico, assume no sistema de saúde uma posição que nada mais é senão o status quo especular do pensamento social, o qual entende a ciência e a medicina como os expoentes máximos de uma cultura de procura da verdade científica.
O poder médico começa por ser um poder mágico-religioso, independentemente daquele que o exerce (curandeiro, feiticeiro, sacerdote, físico ou cirurgião), tanto nas sociedades primitivas como nas sociedades complexas. Esse poder baseia-se sobretudo na crença de que a cura da doença, embora operada por forças divinas, exige a intervenção de um medium dotado de um dom ou carisma. Não é por acaso que o termo terapeuta (do grego therapeutés) significava originalmente «o que cuida, servidor ou adorador de um deus». Contudo, na sociedade actual temos de considerar que o poder médico está intimamente associado a um outro tipo de poder que é o poder da ciência, do «facto» e da «verdade científica» – o dogma do século XXI. Ciência e tecnologia são os dois bastiões da medicina actual bem como da veritas de qualquer outra coisa. Elas testemunham e definem aquilo em que devemos ou não acreditar, assumindo assim um carácter (também ele) mágico-religioso na medida em que o seu valor austero, de cariz peremptório, normaliza a sociedade nas suas convicções.
A psiquiatria usufrui de ambos estes poderes, que na realidade são apenas um, e o seu sentido manifesta-se na biologização do comportamento humano. Este processo, necessariamente redutor, encontra actualmente a sua manifestação instrumental por meio do medicamento, o qual é o método utilizado pelo psiquiatra para modificar o comportamento. A redução do ser humano ao biológico permite assim à psiquiatria considerar a sua omnipotência científica no que respeita à compreensão do psiquismo humano.
Por seu turno, a psicologia, provinda de uma escola de pensamento de tonalidade mais hermenêutica, não partilha deste poder médico. Por si só este facto explica a dificuldade do psicólogo em impor a sua prática, uma vez que a sociedade se encontra na necessidade premente de uma «segurança» médica e científica em tudo na sua vida, o que obviamente inclui o tipo de tratamento que deseja para si. Sendo óbvio que a psicologia possui um carácter científico, ao não partilhar a visão biologizante do ser humano conforme assumida pela psiquiatria ela está necessariamente a prescindir do poder médico que a beneficiaria.
A perspectiva biopsicossocial do ser humano conforme utilizada pela psicologia dinâmica parte de um pressuposto holístico que acima de tudo respeita a complexidade humana ao considerar que o seu estudo deve ser multifocal. Ela proporciona uma visão integral do ser e do adoecer que compreende as dimensões biológica, psicológica e social. Deve a psicologia fazer conhecer a sua perspectiva, impondo-se por aquilo que é e por aquilo em que acredita. Para isso devem contribuir principalmente os próprios psicólogos, que devem respeitar e fazer respeitar o seu trabalho.
«We live in a society exquisitely dependent on science and technology, in which hardly anyone knows anything about science and technology»
Carl Sagan
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
CONHECIMENTOS - ICONES CULTURAIS
A Simbologia da Serpente
Desde os tempos mais remotos, a serpente desempenha um papel fundamental em todas as culturas. Associada, antes de tudo, à fonte original da vida, guarda em si grandes paradoxos, podendo significar a luz ou as trevas, o bem ou o mal, a sabedoria ou a paixão cega, a vida ou a morte.
Por Paulo Urban
Entre os símbolos primordiais, a serpente é aquele que mais fortemente encerra toda uma complexidade de arquétipos. Presente em todas as culturas, sua imagem mitológica assume sempre um papel fundamental, associada que está, antes de tudo, à essência primordial da natureza, à fonte original de vida, ao princípio organizador do caos, anterior à própria Criação.
A serpente guarda em si intrigantes paradoxos: se por um lado exprime uma ameaça (já que de seu veneno pode sobrevir a morte), por outro, resume no processo de renovação de sua pele todo o intrincado mistério da vida, que se atualiza em movimento rejuvenescente.
Diferentes cultos e cerimônias ritualísticas reverenciam esse réptil sorrateiro, atribuindo-lhe as mais díspares qualidades. As serpentes podem estar associadas a cultos solares ou lunares; a sociedades matriarcais ou patriarcais (quando assumem valores masculinos ou femininos); podem significar a luz ou as trevas; a vida ou a morte; o bem e o mal; a sabedoria ou seu oposto, a paixão cega; representar o falo (por seu corpo assemelhar-se ao bastão) ou mesmo a vulva (conforme se lhe parecem as escamas que a recobrem, bem como o formato de sua goela quando esta se abre para devorar sua presa). Tanto quanto as energias yin e yang expressam no taoísmo as polaridades negativa e positiva que estão por detrás de toda manifestação da natureza, os ofídios, miticamente, ocultam em si a síntese dessa dicotomia universal.
Oroboro: alusão ao processo dinâmico e transformador da vida.
Uma das figuras mais intrigantes do simbolismo alquímico, presente milenarmente em diversas culturas, é a da cobra (ou dragão) que morde o próprio rabo e opera, num movimento circular e contínuo, todo o processo dinâmico e transformador da vida. “Meu fim é meu começo”, diz a cobra nesse ato mágico de devorar-se e cuspir-se, a representar a unidade indiferenciada da vida e seu caráter divino implícito na perfeição do círculo. À serpente devorando a própria cauda, os alquimistas chamaram oroboro. Tal palavra não consta da maioria dos dicionários e, em alguns livros da Grande Obra, aparece grafada como ouroboros, principalmente na língua inglesa.
Outras fontes, menos comumente, escrevem-na uróboro. Particularmente, prefiro o termo oroboro, visto não ter sido nunca tão oportuno em nossa língua nomearmos um símbolo cuja singularidade é a de não ter começo nem fim, por meio de palavra tão especial, que pode ser lida de trás para a frente sem prejuízo sequer de sua pronúncia, transmitindo a idéia de algo que se expressa ciclicamente.
Etimologicamente, o termo tem curiosa explicação: óros, em grego, significa “termo, limite”, podendo ser também “meta, regra ou definição”; borós se traduz por boca, ou voracidade. Oroboro, então, representa aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, e também aquilo que se define por sua própria função. Órobos, em grego, ainda significa “planta”, mais especificamente a alfarroba (fruto da alfarrobeira), uma vagem de polpa doce e nutritiva indicada no tratamento das doenças inflamatórias digestivas. O dicionário Aurélio traz para órobo o significado de “cola”, palavra que, além de se referir a outro tipo de árvore (a Cola acuminata), também pode significar “cauda”, conforme certos regionalismos do Brasil. O mesmo termo é igualmente encontrado na língua espanhola a designar o rabo dos animais. Para orobó (só muda o acento), o Aurélio reserva o sinônimo coleira, em nova referência à aromática árvore acima citada, cujas sementes guardam extrato lenhoso de propriedades estimulantes, semelhantes à cafeína. Coincidentemente, coleira é o nome dado ao colar que cinge o pescoço dos animais, e o oroboro lembra sua forma. Além disso, nossas vísceras intestinais assemelham-se à serpente enrolada, e o aparelho digestivo como um todo (se tomado da boca ao ânus) bem desenha a serpente aprumada, prestes a dar seu bote, a devorar sua presa.
Paulo Urban é médico psiquiatra, psicoterapeuta e acupunturista. Deseja manter contato com seus leitores pelo e-mail paulourban@ig.com.br
Desde os tempos mais remotos, a serpente desempenha um papel fundamental em todas as culturas. Associada, antes de tudo, à fonte original da vida, guarda em si grandes paradoxos, podendo significar a luz ou as trevas, o bem ou o mal, a sabedoria ou a paixão cega, a vida ou a morte.
Por Paulo Urban
Entre os símbolos primordiais, a serpente é aquele que mais fortemente encerra toda uma complexidade de arquétipos. Presente em todas as culturas, sua imagem mitológica assume sempre um papel fundamental, associada que está, antes de tudo, à essência primordial da natureza, à fonte original de vida, ao princípio organizador do caos, anterior à própria Criação.
A serpente guarda em si intrigantes paradoxos: se por um lado exprime uma ameaça (já que de seu veneno pode sobrevir a morte), por outro, resume no processo de renovação de sua pele todo o intrincado mistério da vida, que se atualiza em movimento rejuvenescente.
Diferentes cultos e cerimônias ritualísticas reverenciam esse réptil sorrateiro, atribuindo-lhe as mais díspares qualidades. As serpentes podem estar associadas a cultos solares ou lunares; a sociedades matriarcais ou patriarcais (quando assumem valores masculinos ou femininos); podem significar a luz ou as trevas; a vida ou a morte; o bem e o mal; a sabedoria ou seu oposto, a paixão cega; representar o falo (por seu corpo assemelhar-se ao bastão) ou mesmo a vulva (conforme se lhe parecem as escamas que a recobrem, bem como o formato de sua goela quando esta se abre para devorar sua presa). Tanto quanto as energias yin e yang expressam no taoísmo as polaridades negativa e positiva que estão por detrás de toda manifestação da natureza, os ofídios, miticamente, ocultam em si a síntese dessa dicotomia universal.
Oroboro: alusão ao processo dinâmico e transformador da vida.
Uma das figuras mais intrigantes do simbolismo alquímico, presente milenarmente em diversas culturas, é a da cobra (ou dragão) que morde o próprio rabo e opera, num movimento circular e contínuo, todo o processo dinâmico e transformador da vida. “Meu fim é meu começo”, diz a cobra nesse ato mágico de devorar-se e cuspir-se, a representar a unidade indiferenciada da vida e seu caráter divino implícito na perfeição do círculo. À serpente devorando a própria cauda, os alquimistas chamaram oroboro. Tal palavra não consta da maioria dos dicionários e, em alguns livros da Grande Obra, aparece grafada como ouroboros, principalmente na língua inglesa.
Outras fontes, menos comumente, escrevem-na uróboro. Particularmente, prefiro o termo oroboro, visto não ter sido nunca tão oportuno em nossa língua nomearmos um símbolo cuja singularidade é a de não ter começo nem fim, por meio de palavra tão especial, que pode ser lida de trás para a frente sem prejuízo sequer de sua pronúncia, transmitindo a idéia de algo que se expressa ciclicamente.
Etimologicamente, o termo tem curiosa explicação: óros, em grego, significa “termo, limite”, podendo ser também “meta, regra ou definição”; borós se traduz por boca, ou voracidade. Oroboro, então, representa aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, e também aquilo que se define por sua própria função. Órobos, em grego, ainda significa “planta”, mais especificamente a alfarroba (fruto da alfarrobeira), uma vagem de polpa doce e nutritiva indicada no tratamento das doenças inflamatórias digestivas. O dicionário Aurélio traz para órobo o significado de “cola”, palavra que, além de se referir a outro tipo de árvore (a Cola acuminata), também pode significar “cauda”, conforme certos regionalismos do Brasil. O mesmo termo é igualmente encontrado na língua espanhola a designar o rabo dos animais. Para orobó (só muda o acento), o Aurélio reserva o sinônimo coleira, em nova referência à aromática árvore acima citada, cujas sementes guardam extrato lenhoso de propriedades estimulantes, semelhantes à cafeína. Coincidentemente, coleira é o nome dado ao colar que cinge o pescoço dos animais, e o oroboro lembra sua forma. Além disso, nossas vísceras intestinais assemelham-se à serpente enrolada, e o aparelho digestivo como um todo (se tomado da boca ao ânus) bem desenha a serpente aprumada, prestes a dar seu bote, a devorar sua presa.
Paulo Urban é médico psiquiatra, psicoterapeuta e acupunturista. Deseja manter contato com seus leitores pelo e-mail paulourban@ig.com.br
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
ANO DO CONHECIMENTO ,QUE ELE,- NOS REVELE MAIS HUMANOS
Assinar:
Postagens (Atom)